Olá,
o texto abaixo escrevi há mais de dez anos, num antigo blog, mas como gosto muito dele, resolvi repostá-lo aqui.
Algumas meninas vão a “raves”. Os garotos vão aos bares. Os músicos vão aos shows e os cineastas aos cinemas. Os gays vão aos guetos. Os namorados vão ao motel, os casados vão à casa da sogra. Os pais vão ao shopping, ao parque, vão até a escola. Todos vão ao supermercado. Todos comem e todos vão ao banheiro. Os homens vão ao masculino e podem usar o mictório. As mulheres não.
As mulheres podem engravidar, os homens não. Mas podem fazer xixi em pé. Os aleijados não. As crianças podem usar fraldas e os velhinhos também. Os jovens podem fazer piercings se os pais deixarem (se não deixarem, também).
Menores de idade podem dirigir, mas podem levar os pais para a cadeia. Adultos podem ser apaixonar por crianças e irem para a cadeia. Crianças sempre se apaixonam pelos adultos e nunca vão para a cadeia, só vão se assaltarem um adulto. Ou uma criança, ou um velhinho.
Os jovens têm mais energia sexual. Os adultos e crianças também têm. As crianças não sabem o que é “sexual”. “- Sexual é desejo, meu filho”. É querer. E querer, todo mundo quer, alguma coisa. Mesmo que não saiba o quê.
No banco, as pessoas fazem fila. No McDonald´s, no refeitório, no banheiro da balada, na entrada de casa, no dia do aniversário do amigo também. Filas se organizam para que todos tenham sua vez. Mais, ou menos, as filas funcionam. Às vezes elas falham e as pessoas não podem ter cada uma a sua vez. Algumas pessoas furam as filas.
Homens, mulheres, crianças e velhinhos se olham no espelho. Os cegos não olham. Todos ouvem música. Os surdos não ouvem nada. Alguns se reconhecem no espelho. Alguns psicóticos não se reconhecem, nem dentro, nem fora do espelho. Nem os bebês. Os bebês não entendem muitas coisas. Vão entendendo bem devagarinho. Ou achando que entenderam. E depois descobrem que entenderam tudo errado e começam a entender tudo de novo. Às vezes certo, às vezes errado, de novo. E às vezes nunca entendem nada. Às vezes morrem. Até os bebês morrem. E ninguém gosta de pensar nisso, mas que eles morrem, eles morrem. Por que quando há alguma coisa errada ou há um acidente alguém pode morrer. E um bebê é muito frágil (por que não entende nada) e morre ainda mais rápido do que uma criança, um homem, uma mulher ou um velhinho.
Às vezes se morre quando não há nada errado. É preciso que haja sempre pelo menos alguma coisa errada. Para não morrermos. Não morrer é quando a gente sabe que está vivo. Se a gente não sabe, a gente morre. Sem querer.
E geralmente não se quer morrer. Raras vezes se pensa que se quer, mas em geral é mentira. Pode ser uma desesperança. Uma preguiça de viver, ou uma angústia maior do que se está conseguindo suportar naquela hora. Às vezes é genuína essa vontade e se morre mesmo. Algumas pessoas se suicidam nessa hora. E nunca podemos saber porque o fizeram, porque elas não voltam para nos explicar. E nós ficamos bravos, curiosos, tristes, ou com vontade de fazer igual, mas nem sempre fazemos.
Amor e morte estão muito próximos, dizem. Dizem que o ápice do sexo é uma sensação que podemos comparar à da morte. Como podemos comparar algo à morte se nunca morremos antes? Nunca morremos e falamos sobre como é a morte, como se pudéssemos metaforizá-la. E podemos. Podemos metaforizar qualquer coisa. Pra isso servem as metáforas. E pode ser que elas sirvam para alguma coisa, por exemplo, para nos fazer pensar na morte de um jeito menos desconhecido como olhávamos antes de metaforizá-la. Pelo menos serve pra escrever um texto como esse. E não chegar a conclusão nenhuma.
Um abraço,
Carol
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