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segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Tragédias do início do ano e a necessidade de repensar as relações entre a pessoas

Olá, 

Difícil não passar por aqui para comentar as notícias doídas do país com que inicia o nosso ano. 

Primeiro perdemos um ambulante que defendeu uma colega no metrô Pedro II em São Paulo, pelo simples fato de ela ser uma transsexual e os homens, bêbados no dia de natal, distribuindo violência gratuitamente.

Difícil não lembrar que a reverberação do caso se deu pelo fato do evento ter sido filmado pelas câmeras do metrô e também pela morte em si ter sido de um homem heterossexual que defendeu a moça transsexual, num ato de heroísmo, por ser sua amiga. Se ela fosse a vítima, duvido muito que o caso teria a reverberação que teve. Como a maior parte dos casos que acontecem o tempo todo não tem. 

Depois, no ano novo, tivemos a chacina de um pai que matou grande parte da família da esposa e o filho de 8 anos, se matando em seguida. 12 mortes. Vítimas do machismo, como podemos constatar na sua carta de despedida, divulgada pela imprensa.

E hoje, tivemos a chacina na penitenciaria da Amazônia, que permitiu que facções rivais estivessem num mesmo ambiente. O Estado que é responsável por estas vidas permitiu esta violência, já que a instituição inclusive é dirigida por uma empresa terceirizada e não diretamente pelo governo. Um absurdo. 

Estou muito impactada e espero que possamos reverter esse quadro de desolação e desesperança com o qual entramos o ano. 

Temos muito o que refletir e melhorar em nossas ações e na forma como educamos as pessoas, em especial os homens, para deixar de permitir que ações baseadas em subjulgar o outro como inferior como fazem com as mulheres, com os homossexuais, com os pobres e com os negros.

Precisamos de mais empatia, mais amor entre as pessoas, mais noções básicas de direitos humanos e de justiça social para que as pessoas se machuquem menos, se tratem melhor, confiem mais em si mesmas e no outro.

Precisamos de mudanças na cultura que rege as nossas relações e nossas noções de papel social, com urgência. 

Precisamos cuidar mais de nós mesmos, para que não façamos ou sejamos vítimas de algo parecido com o que tem acontecido em nenhum grau de comparação.

Vamos ficar atentos!

Um abraço, 
Carol


sexta-feira, 29 de julho de 2016

Existem mais questões entre pais e filhos do que queremos acreditar

Olá, 

Saiu na edição deste mês um texto meu na Revista Psicologia da editora Mythos. 
Minha matéria é a última chamada "Existe mais questões entre pais e filhos do que queremos acreditar". 

Está na página 44 deste link: https://drive.google.com/file/d/0B4lRqFVUqvsnNnFfcmF5VUZLYzA/view?usp=sharing
E também na transcrição abaixo:

Espero que gostem!

Um abraço!
Carol


Existem mais questões entre pais e filhos do que queremos acreditar

Como a terapia familiar pode ajudar no desenvolvimento de estratégias para negociar de maneira saudável com a criança
Carolina Torres*

Influências na relação de uma criança com seus pais

No trabalho psicoterapêutico com famílias, existem diversos âmbitos que devemos considerar na prática clínica que influenciam diretamente a relação que os pais terão com uma criança. Não existe apenas uma forma de se constituir enquanto indivíduo.  Uma família é atravessada por gerações e relações intergeracionais que não podem ficar de fora quando avaliamos e ajudamos na orientação de uma família que se sente despreparada ou em desequilíbrio na forma de solucionar conflitos com a criança.

É importante pensarmos, antes mesmo de acolher uma família, de onde vêm as principais influências na vida de uma pessoa e tratar das relações a partir de todos estes âmbitos a que cada membro da família está sujeito. Estes âmbitos são essencialmente três: o ambiente cultural, ou seja, o contexto onde esta pessoa vive e sob que influências de valores e de ideais ele participa; o ambiente social, ou seja, as principais relações reais externas à família a que está sujeito e a que tem acesso; e também o ambiente familiar, que pode ser extenso, mas que deve se restringir a análise daqueles que realmente geram uma influência direta ao núcleo familiar que estaremos tratando.

Nem sempre é fácil definir este tipo de influência nos três âmbitos e reconhecer ao que cada núcleo familiar está sendo direcionado a idealizar numa criança, sem mesmo perceber, ou seja, de forma inconsciente.

Das relações com o ambiente cultural surgem as demandas e concepções mais amplas que nem sempre são questionadas pela família gerando padrões artificiais sobre o que é a normalidade, sobre a expectativa a que este núcleo familiar deve corresponder e que pode ser muito cruel, exigindo sucesso nas mais diversas áreas de forma idealizada e desumana como na saúde física, na aparência, no status social, na “popularidade”, em ser ou não influente, em ter ou não uma renda que permita adquirir itens específicos, entre outras coisas. Este ideal externo pode ter influência na relação dos pais com seus filhos gerando uma disparidade entre a relação real e o interesse pelo que o filho pode oferecer e do que gosta de fato, podendo gerar uma expectativa massificada que precisa ser desmistificada, para gerar menos sofrimento e proporcionar uma relação real.

Um filho que seja mais tímido, inseguro ou que tenha dificuldade de se expressar em público pode não apenas preocupar, mas também frustrar ou envergonhar pais que idealizaram um filho que fosse popular e “descolado”. Este tipo de idealização pode ter raízes na mídia, na ideia de sucesso contida em filmes, novelas, seriados, propagandas, ou também pode vir a serviço de reproduzir um desejo que os pais têm em relação ao filho de que este possa redimir sua própria experiência na idade dele, “reparando” uma fase deles de insucesso na vida escolar, por exemplo.

Não é raro ver pais que desejam ver em seus filhos uma continuação aprimorada de si mesmos e obrigam as crianças a fazerem um esporte, a tocar um instrumento, a participar de um grupo religioso, de um clube, a fazer um curso específico na graduação ou mesmo a enveredarem numa profissão, apenas porque este era o seu próprio desejo que não foi possível ser realizado. Neste exemplo se misturam as influências dos âmbitos culturais, sociais e familiares.

Desta maneira, a influência social transpassa gerações e precisa de muita reflexão para ser desmistificada e para que os pais consigam se separar da criança, deixando-a viver aquilo que realmente tem a ver com ela e não com os desejos impostos pelos âmbitos culturais, sociais ou familiares.

O problema é que muitas vezes estas expectativas e influencias não aparecem para os pais de forma consciente e por poder transpassar mais de uma geração, sendo repassada por questões não ditas que passaram desde os avós ou bisavós da criança, sem o advento das palavras, mas apenas através de ações que foram sendo reproduzidas como a única possibilidade de existência dentro deste núcleo familiar, não é claro para a maioria dos pais que seja possível encararem o filho de forma diferente, mas é!

Não raro uma mãe que saiu da casa de sua própria mãe para se casar e mudar de Estado, por exemplo, teme tanto que uma filha siga seus passos, que não permite que sua filha trave laços reais com seus pares, aflita de que a criança a deixe sozinha, repetindo sua história. Nestes casos, a criança pode sofrer por não poder expressar seu afeto pelas outras pessoas, e pode, no final do processo, fugir de casa ou traçar um caminho que gere este “abandono”, para poder finalmente travar os laços que quiser fora do controle excessivo causado pela mãe. Este é um exemplo típico da influencia do âmbito familiar.

Quando este tipo de desfecho acontece, chamamos a temática que a mãe teme de “Profecia auto realizadora”, pois o que ela teme acaba mesmo por acontecer, pelas suas próprias ações reativas ao medo de que isso aconteça. O processo é totalmente inconsciente e pode ser trabalhado num processo terapêutico que vá destrinchando as relações intergeracionais até atingir um ponto de entendimento da situação, que pode ser muito anterior a esta própria família que estamos tratando, dependendo do quanto há de conteúdo “não dito” nos núcleos familiares que geraram influência sobre esta criança.

Também é muito comum que mães ou pais tenham uma experiência de reviver a sua própria relação com os pais ao se transformarem eles mesmos em pais, conseguindo compreender melhor alguns eventos e até mesmo elaborando uma relação difícil anterior.

Neste momento pode ocorrer o quadro de “depressão pós parto”, por exemplo, que faz com que as mães que acabaram de ter filhos entrem num processo muito introspectivo que muitas vezes a deixam incapazes de cuidar do próprio filho. Este processo pode ter variadas causas em cada mulher, mas muitas vezes, pode estar associado à uma reação dela em ter que assumir o papel de mãe e revivendo na possível regressão que a maternidade pode trazer de seu próprio processo gestacional e da sua relação com a sua mãe nos primórdios da sua vida.

Os primeiros momentos de nossas vidas são sempre esquecidos por nós, e a experiência de estar presente como a principal responsável por outro ser humano, que é a maternidade ou a paternidade, é um evento que pode ser encarado de diversas formas, mas a principal delas é vivida como uma dedicação absoluta ao outro, como uma simbiose ou até mesmo uma sensação de indiferenciação entre mãe e bebê.

Esta sensação é a que acontece com os bebês, que inicialmente não tem noção de seus limites físicos ou psíquicos, tendo na relação com os pais a possibilidade de compreender aos poucos que é ser um indivíduo separado deles. Quando há uma regressão na mãe gerada por seus próprios conteúdos internos mal elaborados na sua primeira infância, a mãe tem dificuldade de oferecer suporte à individuação da criança e pode gerar dificuldades no processo de desenvolvimento dela. Na confusão mental que a regressão da mãe gera, ela pode achar natural que a criança seja esta continuação de si mesma, sem existência autônoma, e isso pode ser muito nocivo no desenvolvimento do bebê.

O trabalho de orientação familiar

No trabalho clínico de orientação familiar o que podemos fazer inicialmente é escutar a demanda de angústia gerada pela criança em seus pais e ir destrinchando aos poucos o que esta queixa significa: de onde ela vem e a serviço de quem estamos trabalhando. Muitas vezes o que os pais nos pedem é para manter a criança em um lugar de “bode expiatório” dos problemas do núcleo familiar e quando a tratamos e a criança começa a melhorar por se diferenciar dos pais e ter outra perspectiva de si mesma no espaço terapêutico, surge espaço para uma elaboração na família, desestabilizando o funcionamento neurótico do núcleo e é aí que muitos dos pais tiram a criança do tratamento, por medo do que esta necessidade de mudança no ponto de equilíbrio nas relações familiares pode gerar.

Um funcionamento doentio da família pode colocar a criança denominada “difícil” como um foco que serve para desviar, por exemplo, uma dificuldade real no relacionamento entre o casal, que tem como “desculpa” um comportamento que demanda atenção na criança que não os permite encararem um ao outro.

Uma criança é um ser muito sensível a tudo que está ligado diretamente a ela e os pais são seu porto seguro. Quando há uma dificuldade na relação entre eles, a criança se desorganiza mesmo sem ser informada através de palavras de que há algo de errado entre os pais. Há casos em que os pais dizem que a criança não pode estar sofrendo com um desentendimento entre eles, pois eles nunca brigaram em sua frente, ou, acreditam que a criança não entende nada, e que, portanto, uma briga entre os pais não pode ter nada a ver com o seu comportamento mais agitado, por exemplo.

É neste momento que os pais se enganam. Mesmo as crianças que não falam, estão sempre muito atentas e conectadas ao que acontece ao seu redor e, exatamente por não falar ou entender as palavras, que elas se conectam muito mais ao “clima” afetivo e emocional que se instaura na casa e nas relações, sendo ainda mais influenciada pelo “não dito” do que pelo dito. É importante considerar a presença e a capacidade da criança de fazer parte da vida familiar desde o início, mesmo quando ela não fala ou parece não entender nada, e é assim que se vai gerando uma sensação de pertencimento e de segurança na criança, por ser considerada um ser humano pensante tanto quanto todos os adultos da casa, se organizando e se acalmando desta maneira. 

No trabalho clínico é importante orientar os pais nesta busca de justificativas e compreensão profunda de onde vem a demanda por tratamento, mas também é muito importante  poder trabalhar com a criança entendendo a visão dela sobre como esta demanda aparece e como pode ser traduzida aos pais. As sessões em família propriamente dita, com todos reunidos são imprescindíveis na ajuda quando a comunicação está travada entre pais e filhos. A terapia pode acabar retomando uma naturalização do vínculo entre crianças e pais, especialmente quando se propõem situações lúdicas e de descontração através da qual o psicólogo pode intervir, auxiliando para que a conversa possa fluir novamente entre os pares, trazendo espaços de negociação, de compreensão e de afeto que podem ter se desgastado ao longo das brigas e desentendimentos entre pais e filhos.

Negociando com uma criança

O processo de negociação com uma criança parece complexo, mas é o mais simples possível e deve se basear num conceito muito simples de convivência: o respeito e a confiança.

Não é raro vermos adultos que lidam com crianças como se elas fossem bichinhos sem consciência, que não precisam ser levados em conta intelectualmente em nenhuma situação e que apenas são cuidados e transportados de um lado para o outro sem haver uma comunicação verbal que considere a vontade da criança. Se não há uma comunicação sobre o que está indo fazer ou outros detalhes do que acontece a sua volta, como a criança vai irá desenvolver a capacidade de negociação?

Neste tipo de relação não há nenhum tipo negociação e a criança não aprende a se colocar e não consegue se sentir segura e confiante no adulto responsável por ela. Ela pode nutrir um vínculo afetivo, mas se sente desamparada e completamente fora do controle de sua própria vida, com angústias que podem surtir efeitos colaterais variados, como a enurese noturna a irritabilidade, a dificuldade de expressão verbal, agressividade, terrores noturnos, entre outros.

É claro que não iremos oferecer a uma criança o controle total sobre sua própria vida, pois ela depende de nós, adultos, para viver durante um longo período de sua existência. Porém é sempre possível oferecer algum nível de escolha a ela, nem que seja entre um suco de um sabor ou de outro, um brinquedo de uma cor ou de outra, um lugar ou outro para sentar-se, o colo de um adulto ou de outro, entre tantas outras pequenas ações que parecem banais, mas que dão aos pequenos um exercício muito importante sobre como funcionam as escolhas e uma noção mínima de controle sobre sua vida, que afinal, se baseia em sequencias de pequenos momentos como nos exemplos que demos.

É também essencial que se comunique às crianças sobre o que irá acontecer na rotina delas e manter de fato uma sequencia de atividades que sejam mais ou menos previsíveis para que as ajude a se organizar internamente. Engajar a criança em tarefas simples como ajudar a organizar sua mochila ou lancheira para a escola no dia seguinte, marcar num calendário quantos dias faltam para um evento importante, saber o que irá acontecer na sequencia de dias, seja no período letivo ou durante as férias ou finais de semana, entre outras coisas. Eventos marcantes e que geram mobilização emocional, como uma doença na família ou um luto precisam ser compartilhados com as crianças de alguma maneira, para que elas possam também elaborar este fato, ao modo delas. Não existe um assunto que não possa ser tratado com uma criança, mas ele não deve ser tratado de uma forma “adultizada”. A criança tem seu universo simbólico e seus recursos para lidar com as situações, mas não deve ser exposta a respostas sobre o que não perguntou, mas se há interesse, ela deve sim ser participada dos eventos importantes, especialmente se tiver a ver com a morte de algum ente querido.

Na conversa com crianças maiores que apresentam dificuldades que preocupam seus pais, é possível que se encontrem num processo de muita insegurança, e que promovam brigas em relação a toda e qualquer coisa que os adultos a peçam. É comum que as crianças não aceitem pedidos simples como para tomar um banho, fazer uma lição de casa, guardar brinquedos, arrumar o quarto, ou mesmo comer um vegetal, é preciso ter muita paciência para conseguir promover uma mudança em sua noção de individualidade e também tentar perceber de que maneira se está encarando esta criança, para não fixá-la neste lugar de criança “problema”, impossibilitando através deste olhar que ela possa ser ativa em suas decisões e que possa sair do papel dado a ela pelo núcleo familiar. Por pior que o rótulo de “problemático” seja, ele é um papel exercido por ela e que ela sabe representar. Por conta disso é preciso oferecer a possibilidade de que ela exerça outros papéis, e só os adultos podem ser capazes de dar espaço para que ela dê respostas espontâneas, oferecendo um espaço de acolhimento que lhe faça sentir segurança em arriscar agir de outra forma e a partir daí decidir que papel prefere exercer.

Não é possível e nem justo exigir algo da criança, como uma postura de responsabilidade e maturidade quando se trata ou encara a criança em outros momentos como um bebê, incapaz de participar das coisas. É preciso ter consistência e respeitar o que se espera dela com clareza. É claro que para os pais a criança será sempre um pequeno a ser cuidado, mas nem por isso é impossível perceber seu crescimento e oferecer a ela situações de maturidade e de responsabilidade, sempre de forma gradual e com o benefício da dúvida, para ela possa errar e aprender aos poucos como lidar com a responsabilidade oferecida. É importante que as exigências feitas façam sentido para a criança e que não seja algo aleatório apenas porque se quer dar uma tarefa a ser cumprida. É essencial conversar sobre a razão desta tarefa ser responsabilidade dela e sua importância ao fazer isso.

O mais importante é ter em mente que as relações são sempre perpassadas por outras relações e que ter respeito pela criança, como outro ser humano, é o melhor que um pai  ou mãe podem fazer. Tentar deixá-la ser quem ela é e não uma continuação de si mesmo. Lembrar que se cria um filho para ser feliz e não para cuidar de nós ou para realizar o que nós mesmos não conseguimos realizar. Essa liberdade e respeito é o que pode gerar uma facilidade na negociação com uma criança considerada “difícil” e também com qualquer outra criança e também adulto. Devemos conseguir ser consistentes, inspirar confiança e tratar as crianças como elas são: seres autônomos e livres e, principalmente, independentes de nossa determinação.

Deixemos as crianças serem quem elas são, sempre orientando, dando exemplos e inspirando os valores humanos que acreditamos, mas sem impor ou diminuir as aspirações que surgirem deles, e veremos como elas são capazes de nos surpreender, quando recebem esta liberdade e confiança.


*Carolina Torres é psicóloga clínica e pedagoga em educação infantil. Atua em consultório particular e na Escola Alecrim. Autora do Blog “Existe Psicologia em SP” (www.existepsicologiaemsp.blogspot.com) que trata de temas de psicologia, educação e cultura. Contato através do e-mail: torres.carolina@gmail.com ou do telefone 11 9 9327 4319.


quarta-feira, 18 de maio de 2016

Confusão de línguas entre as pessoas


Olá, 

Estudando sobre a educação infantil, existe um texto muito interessante que trata sobre a chamada “Confusão de línguas” entre o adulto e a criança, que realmente falam através de pontos de vista absolutamente diferentes, por atravessarem contextos muito particulares de vida, que estão distantes na forma como enxergam e compreendem o mundo.

Pois bem, o que há de mais rico na raça humana é a possibilidade de comunicação entre as pessoas. E essa é ao mesmo tempo nossa maior vantagem e maior armadilha também.

Temos a impressão de que falando comunicamos exatamente o que queremos dizer e na verdade não é possível comunicar claramente, pois há sempre um ponto de vista do qual estamos falando e outro que recebe aquelas palavras, de acordo com seus contextos, valores, experiências próprias.

Não estou dizendo que a comunicação não existe, mas afirmo com toda a certeza de que há sempre uma confusão de linguagem, mesmo entre pessoas que se conhecem bem e que julgam saber do que a outra pessoa está falando. De fato, nunca sabemos exatamente do que a outra pessoa está falando.

Podemos tentar mostrar uma interpretação daquilo que ouvimos, ou podemos puxar na nossa experiência de vida e de conhecimento de mundo algo que se relacione ao que esta pessoa está dizendo e assim, conseguimos nos colocar em seu lugar, ou trazê-la até onde estamos, aproximando-nos um pouco uns dos outros.

Essa aproximação, real ou imaginária, criada pela comunicação é a maior riqueza do ser humano, pois podemos sentir e reviver situações e emoções, conhecendo coisas que não vivenciamos diretamente, ampliando nossa potencialidade de compreensão de situações humanas possíveis, gerando um saber maior, de empatia com situações diversas, de crítica ao que nos é dado como verdade, e que pode ser repensado como apenas mais um ponto de vista possível, dado o contexto de onde vem tal opinião ou informação.

Acredito que haja uma confusão de línguas entre adultos também, em todo e qualquer contexto, seja familiar, social, de trabalho, amoroso. Não conseguimos entender plenamente o outro. Não conseguimos nem enxergar plenamente o outro de forma a não projetar nosso conteúdo interno nele. E tudo bem. Tudo bem, por que isso enriquece o outro de algumas maneiras e tudo bem, por que existimos também por conta destas projeções que foram feitas em nós, desde muito pequeninos, Às vezes até antes de nascermos. Sem elas, não estaríamos vivos.

Porém, é importante se lembrar que essas ideias que o outro coloca sobre nós não é o que nos define. Essas coisas ajudam a conhecermos melhor o outro e a escolhermos se queremos ou não este papel que nos é dado por ele. Se não quisermos, basta sair do papel, mudar de posição na relação com o outro e, por consequência com si mesmo.

Vale lembrar que nem sempre percebemos que o outro nos impõe um papel. Só percebemos quando há um incomodo em agir e ser de uma dada maneira, que nos parece natural e a única possível.

A boa novidade é que não há apenas uma maneira possível de ser. Há sempre vários caminhos a escolher, mesmo quando parece que não há alternativa. Se algo te incomoda em você mesmo, tente buscar quando você começou a agir desta forma e quando isso passou a te incomodar e esta será a dica mais preciosa para você começar a compreender porque age desta forma e, mais importante, para quem age assim.

Se a resposta não for você mesmo, está na hora de repensar se vale a pena sacrificar algo importante em você por outra pessoa, que provavelmente não está sacrificando algo por você. E, se ela também estiver, a relação está desequilibrada pelos dois lados. 

Cuidem-se!

Um abraço!
Carol

domingo, 6 de março de 2016

Auto conhecimento e os entraves entre o desejo de mudança e a realidade

Olá, 

Hoje venho falar sobre a como é difícil mudar a natureza de uma relação já estabelecida com uma pessoa. 

Na vida, nos relacionamos o tempo todo com pessoas que nos enxergam de uma certa maneira. Travamos com elas relações baseadas em diversos fatores determinantes, alguns que vem de nós e outros que vem do outro. 

Quando há um desconforto na relação entre duas pessoas, geralmente procuramos evitar esta relação ou acabar com ela. Mas esta nem sempre é a melhor forma de solucionar o que gerou este desconforto, pois o que determina a forma como nos relacionaremos com uma outra pessoa, continuará conosco. 

Por conta disso é que é importante a reflexão sobre aquilo que somos, sobre o que demonstramos ser e sobre como as pessoas nos vêem. Também é importante pensarmos em como queremos ser vistos pelo outro e como fazer para sermos visto da forma como desejamos. 

De nada adianta querer ser admirado por alguém e não fazer nada na relação com esta pessoa que seja digno de admiração. 

Na realidade, de nada adianta querer ser admirado por alguém quando antes de tudo não conseguimos sentir admiração por nós mesmos. 

Algumas vezes pode parecer que a única coisa que nos fará nos sentirmos admirados é ter a admiração de alguém, mas o processo é exatamente oposto. Só conseguiremos acreditar na admiração de alguém por nós, quando de fato nos sentirmos orgulhosos de nós mesmos. 

E como fazer isso?

Os passos são bastante simples. Primeiro é preciso reconhecer que não se sente admiração por si mesmo e buscar objetivos simples na vida em que se possa mudar esta forma de se enxergar. Os pequenos passos dentro da própria rotina são mais importantes do que as mudanças mais drásticas, por serem facilmente executadas.

Mudar um hábito que te incomoda, como a organização de seus pertences para iniciar a sema, a alimentação feita com mais calma e reflexão ou mesmo a qualidade de atenção dada a uma conversa com alguém que você gosta, podem fazer você se sentir mais presente na sua vida e mais contente com si mesmo.

A reflexão sobre como você está se sentindo e sobre o que pode fazer para se sentir melhor é algo que pode parecer complicado, porém, se colocado como um momento como outro qualquer da sua rotina, como escovar os dentes, ou tomar um banho, te ajuda a avaliar sua saúde emocional e pode ajudar você a solucionar problemas nas relações com as pessoas de forma mais ponderada e tranquila, evitando desgastes e o estresse, tão comum no dia a dia das pessoas.

Inclua na sua vida uma pausa diária. Não estou sugerindo algo complexo como abandonar sua rotina e sua vida corrida, mas apenas sugerindo que você inclua um momento de reflexão sobre como você está se sentindo dentro do seu dia.

Desta forma, ao longo do tempo, você terá o hábito de se perceber, conseguindo tirar de seus ombros o peso da opinião exclusiva do outro sobre você. Não estou dizendo que a opinião do outro não tenha valor, ela tem. Nos ajuda a ver o como o outro nos enxerga e a perceber o que estamos fazendo para que o outro nos veja desta forma, porém, esta opinião é externa e não define o que de fato somos ou sentimos, apenas nos ajuda a perceber o que deveríamos perceber sempre, na comunicação com nosso próprio eu.

Parece maluco que precise haver uma comunicação de nós conosco mesmo, dado que somos a nós mesmos. Porém, é preciso perceber que estamos cada vez mais desconectados com nosso corpo, com nossas necessidades e desejos, dada a grande demanda que existe do lado de fora, distrações, meio de comunicação, redes sociais, trabalho, família, amigos, pessoas que exigem coisas de nós que achamos que temos a obrigação de cumprir. 

Pare e pense por um instante. Não temos a obrigação de fazer nada. Temos escolhas. Temos opções. E devemos pensar para decidir qual delas é a melhor para nós mesmos e para aqueles que amamos, mas não praticá-las no piloto automático, e sim, refletindo sobre o que nos fará mais orgulhosos de nós mesmos. 

Nem sempre há esse tempo de reflexão entre a demanda e a ação, como é o caso do cuidado com filhos pequenos ou com parentes adoecidos. Mesmo assim, é importante refletir por um instante uma vez ao dia, ou na medida do possível, sobre para onde sua vida está indo e o que dentro dela, é de fato algo que lhe dá sentido, que lhe faz feliz, ou que te dá orgulho e satisfação. Pelo menos alguma coisa dentro do seu dia precisa lhe promover alegria. Ainda que no meio do cansaço ou da luta diária pela sobrevivência.

Caso contrário, mesmo com o corpo saudável, você corre o risco de seu lado emocional adoecer. Neste caso, a terapia pode ajudar, mas é possível reverter isso com ações muito simples. 

Pare um minuto por dia e reflita sobre como está se sentindo! Compartilhe isso com uma pessoa querida, se for possível. Mesmo se não for, não desanime, a auto reflexão pode te ajudar muito a se conhecer melhor e você merece! 

Um abraço!

Carolina Torres
carolinatorrespsicologa.blogspot.com.br

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Crises como oportunidades no relacionamento



Olá, 

Nesta semana quero falar sobre as relações amorosas. Não é nada raro em consultório sermos procuradas em momentos de crise de relacionamento afetivo.

Normalmente acontece de uma pessoa estar com muito medo de perder a outra e de ficar sozinha. Ou então, há fantasias sobre o desejo do outro por outras pessoas que não ela. Ou ainda há uma insatisfação com o que o outro oferece na relação que não é suficiente ou não está de acordo com o que pessoa espera dele.

Em relacionamentos afetivos, vejo um caminho sempre semelhante, pois apesar de cada caso acontecer dentro de um contexto completamente diferente e particular, o que acontece é sempre um apaixonamento.

A principio não sabemos o que é o outro, não conhecemos o outro, e na paixão colocamos nele aquilo que mais queremos em alguém, na idealização que temos de um relacionamento que provem das relações que observamos na vida real (de nosso pais, tios, avós, etc) e do que vemos no ambiente ficcional, da fantasia (filmes, livros, séries, desenhos, etc) e vamos formando uma ideia do que é um relacionamento e de como queremos o nosso.

O que vemos no outro, nem sempre, ou, quase nunca, é o que ele é de verdade. Vemos uma possibilidade de parceria com uma ideia de um outro. Ao longo de um relacionamento de longo prazo, vemos o outro e tentamos encaixá-lo nessa nossa fantasia, mas, aos poucos, esse outro vai se tornando real e isso pode ser muito assustador.

O outro também faz isso conosco e pode ter momentos em que percebe coisas em nós que não estava "em seus planos" (da fantasia) e que pode fazê-lo ter medo e se questionar, gerando uma crise. 

Normalmente, em casamentos estáveis e longos, essas crises vêm junto com uma crise real, seja uma doença, um acidente na família, uma questão financeira grave, entre outras coisas que abalam o dia a dia e a forma de viver a qual o casal se acostumou. 

É comum, por exemplo, num casal em que alguém sempre toma as decisões e organiza a vida doméstica ou financeira, que quando esta pessoa fica fragilizada ou não pode cuidar das coisas, o outro que não está acostumado a fazer isso, se sinta mal, sobrecarregado ou aflito por ver fragilidade no outro quando este era seu porto seguro. 

Não há receita de como devem ser as relações e estes papéis vão sendo decididos silenciosamente, sem sabermos que somos, por exemplo, o provedor, ou o porto seguro do outro, mas nos tornamos e nos habituamos aos variados papéis que vão sendo atribuídos de um para o outro. 

Quando isto acontece, a crise pode vir caso estes papéis precisem se movimentar e isso pode mexer em fantasias muito antigas no relacionamento entre os dois e também do relacionamento de cada umas das pessoas com si mesmas e outras pessoas com as quais se relacionaram antes. 

Não é possível saber como lidar com isso de uma forma geral, pois cada um tem uma historia de vida. Mas é possível perceber o seu lugar numa relação e, se está em crise, tentar ver que parte desta crise pertence a você mesmo, o que você está cobrando do outro que na verdade não deveria cobrar. O que incomoda mais em você mesmo na relação é só o que você pode mudar. E é sempre, sempre, sempre bom conversar e tentar entender o ponto de vista do outro, para ver que nem tudo é como você imaginava e que talvez, vocês ainda não se conheçam bem.

Não é muito fácil conhecer o outro mesmo morando com ele, tendo filhos com ele, passando a vida juntos. O momento mais fácil de conhecer o outro é o momento de crise. Onde a fragilidade traz emoções a flor da pele e aí sim você sabe com quem está lidando. Não é nada fácil ficar doente, perder alguém importante da família, ter um filho doente, ter dificuldade de engravidar, sofrer um acidente, perder o emprego ou passar por outras necessidades básicas, sejam emocionais ou materiais.

São estes momentos que vão trazer a tona a forma mais íntima com a qual o outro lida com a vida. Se o casal puder continuar junto e "aguentar" o outro nestes rompantes de emoção, que muitas vezes trazem a tona agressividade, sentimentos depressivos, ansiedade extrema e muitas outras sensações de desamparo, aí sim, estará bem. 

E mais ainda, se nós mesmos "aguentarmos" a exposição do nosso desespero e do nosso desamparo ao outro, que ao mesmo tempo queremos seduzir e impressionar, aí sim, teremos um relacionamento real, sem passar apenas pelos fantasmas e fantasias que colocamos nas lentes do desejo que nos aproximaram da pessoa no início. 

Não conhecemos bem nem sequer a nós mesmo, então como podemos supor que conhecemos bem a um outro que vive do lado de fora de nós? Sempre vale a tentativa de conversar para tentar perceber o que o outro de fato é, caso ele queira nos mostrar. 

Nestes momentos, saberemos como ele nos enxerga e poderemos ter a chance de explicar, caso ele esteja enganado sobre nós (e, geralmente, em algum aspecto ele estará) e podemos lhe dar a chance de fazer o mesmo. 

Por pior que estas crises sejam, aproveite que a estabilidade que a relação tinha foi tirada, dando espaço para para aprofundar os laços entres vocês. 

Tentar realmente "até o fim", ou tentar "de tudo" para "salvar" um relacionamento não é se fazer agradável para o outro, e sim se aproximar o máximo possível de si mesmo, para não nos deixar enganar de que somos o que o outro deseja e que só existimos através do olhar do outro. Isso não é verdade. O olhar do outro muitas vezes nos aprisiona em um lugar tão difícil de alcançar e tão distante do que realmente somos, que machuca e atrapalha muito a vida a dois. 

Tentar "de tudo" num relacionamento é estar atento a si mesmo e é estar aberto a enxergar coisas no outro que podemos não gostar de ver, mas que temos que respeitar que faça parte dele. E, se quisermos estar junto a ele, precisaremos aceitar o que somos e que o outro aceite também. E aceitar o que o outro é e o que ele tem para oferecer, do jeito que quiser e puder oferecer. E vice versa. 

Não é nada fácil, envolve relacionamentos anteriores e principalmente o nosso relacionamento com nosso próprio ser. Se nos amamos, podemos acreditar que somos amados. Se não nos amamos, desconfiaremos sempre do amor do outro por nós. E da mesma forma, isso pode acontecer ao outro, gerando infindáveis mal entendidos que poderiam ser solucionados com uma clareza maior no olhar para dentro e para fora. 

A terapia pode ajudar nisso, oferecendo um olhar externo e não acostumado com os papéis que os dois ocupam na relação, questionando coisas que podem parecem imutáveis para os dois. Mas nada pode ajudar mais um casal em crise do que a comunicação franca e o olhar atento de um para o outro.

Um abraço!
Carol
carolinatorrespsicologa.blogspot.com.br