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quarta-feira, 8 de junho de 2016

Pensando sobre adolescentes que se cortam

Olá, 

Escrevo sobre este tema, por que há algum tempo vem chegado até mim relatos sobre esta "moda" dos adolescentes de se cortarem e isso vem me chamando a atenção por vários motivos. 

O primeiro deles é pela identificação, pois eu mesma, na adolescência, gostava muito de uma banda específica, e sem conhecer esta "moda", usava um plastiquinho que vinha dentro do selo de segurança no CD da banda para marcar o nome da banda no meu antebraço, feliz da vida com este segredo que, na minha cabeça, me aproximava mais deles, marcando-os como uma tatuagem provisória em mim. Coisas de fã adolescente. 

O segundo é por que uma das situações relatadas a mim, veio de uma profissional de uma instituição que abriga crianças em situação de acolhimento e falava sobre o cortar-se ser uma prática comum e difundida entre os adolescentes da casa através da internet como algo "bacana" de ser feito, com adolescentes postando tutoriais de como fazer, como esconder, etc. 

Me preocupou por ser algo massificado pela internet e não pelo fato em si do cortar-se, já que nunca é algo feito para machucar, pelo que tenho entendido. O adolescente, pela fase que está passando na vida, é uma criatura das mais vulneráveis possíveis, por vários motivos: ele não é mais o bebê mais lindo da casa, seu corpo está em fase de enorme transformação e em muitos momentos isso se torna desproporcional, torto, estranho e dá muito medo, na visão deles. 

Além disso, afloram neles os hormônios da sexualidade que está se desenvolvendo e essa sexualização vem acontecendo cada vez mais cedo por diversos motivos, o principal deles, por conta das mídias de massa, sejam as redes sociais, os programas de TV, o Youtube, os jogos de vídeo game, e assim, o adolescente tem acesso a conteúdos que ele não entende propriamente, mas que passa a fazer parte de seu universo simbólico e de fantasias, gerando muita ansiedade e mais medo.

O se cortar, por si só, não é o problema. O problema maior é o que isso vem simbolizar. É claro que nem todo o adolescente está passando pelo mesmo momento e que não vai se cortar pelo exato mesmo motivo. Todos estão em busca de uma identificação com algo que faça sentido para eles. Querem ser alguma coisa, querem se transformar em alguma coisa, têm muita energia e vontade de serem adultos para poderem ser "donos do próprio nariz" e ao mesmo tempo muito medo, por que sabe que ainda não tem as ferramentas ainda para isso. 

O que está em jogo é a auto estima, a aceitação, o olhar do outro, o reconhecimento. Eles querem ser amados, mas não sabem como, nem por que, nem por quem. Querem se transformar em algo admirável, mas morrem de medo de passar vergonha, de serem julgados pelos amigos, pelo mundo de forma geral. 

A cultura do chamado "bullying" que chama assim agora, mas sempre existiu como humilhação dos coleguinhas que eram excluídos de um grupo por nenhum motivo relevante, mas apenas porque alguém decidiu assim, vem do medo dessa vergonha que todos tem medo de passar e que alguns, com tanto ou mais medo que os outros, acabam por incutir nos outros como defesa, para não serem alvos da exclusão. Ou seja, quem pratica o bullying, tem na verdade muito medo de sofrer o bullying. O que gera esse processo todo é conhecer muito bem a necessidade de acolhimento e negá-la a alguém por um motivo qualquer. 

O desejo de se cortar, pode vir de diversas origens emocionais diferentes, mas fala de algo muito simples, que é a necessidade de se sentir vivo. O limite corporal no adolescente é muito importante para ele. As emoções são fortes e intensas, as crises absurdas, chora-se muito e muito alto, dá-se gargalhadas altas e se briga sempre com volume e confusão. Há a necessidade absoluta de ser notado. Quando há algo que não parece funcionar na vida do adolescente (e sempre há), como não se sentir notado por aquela pessoa que se ama, não corresponder a expectativa de um grupo (de amigos, de familiares, de professores, ou qualquer outro), há uma sensação da mesma forma intensa de frustração. 

Tudo, na cabeça deles, é questão de vida ou morte, há uma dramaticidade absurda que não há meios de eles entenderem as próprias emoções de outra forma, por conta da injeção hormonal e da alta expectativa que eles tem sobre começar a vida social, afetiva e emocional. 

O cortar-se pode ser uma forma de gerar um alívio a todas essas dores internas incontroláveis, passando para um foco em uma dor externa e sobre a qual ele tem total controle. Pode também ser esta maneira, de, diante da sensação de apatia nas relações físicas que ele não está apto a ter ainda, sentir seu corpo, seu limite corporal, ver seu limite e sentir-se vivo. Também é possível ser por conta da necessidade de chamar a atenção das pessoas, adultos ou pares adolescentes para si, como um pedido de socorro. 

O principal não é punir o ato em si. Não há como se aproximar de alguém desta maneira, apenas através da punição. O principal é compreender que há, na vida emocional daquela pessoa, algo que está errado. O melhor que se pode fazer é conversar, não sobre o cortar-se em si, mas sobre como a pessoa está se sentindo, abrindo diálogo para isso na relação com ele. 

É muito comum encararmos as crianças e os adolescentes como "café com leite" nas discussões importantes da vida familiar, escolar, ou de qualquer grupo, sem incluí-los nas informações sérias e importantes e sem conversar com seriedade, ouvindo e levando em consideração o que sentem e pensam sobre algum assunto.

O cortar-se pode ser uma forma de eles dizerem aos adultos que estão sentido, que estão pensando, que estão sim sendo afetados por alguma coisa. Mesmo que uma situação seja grave, como uma separação, uma violência, uma agressão, ou mesmo uma morte na família, se não é tratado com o adolescente ou a criança com algum tipo de verdade, isso pode sim gerar sintomas como este ou como outros (anorexia, bulimia, depressão, ansiedade). 

É preciso abrir o canal de comunicação com eles, do contrário, vão sugar a informação sem compreendê-la e isso pode gerar muita angústia e sintomas na vida cotidiana deles, trazendo prejuízos na formação de identidade deles e na vida emocional que vão entender que é possível.

Ouça, fale, abra o diálogo sobre as coisas com seus filhos, sobrinhos, alunos, com as crianças e adolescentes de sua vida. Isso fará uma grande diferença na relação deles com si mesmos, com vocês e com a própria vida, trazendo segurança e tranquilidade para que eles decidam quem querem ser.

Boa sorte e um abraço!

Carol

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Sobre a Cultura do Estupro



Olá, 

andei um pouco ausente do blog, em parte por excesso de trabalho e em parte por conta de me sentir incapacitada a dizer algo depois do evento escabroso da semana passada do estupro coletivo de uma garota de 16 anos no Rio de Janeiro.

O que está em jogo neste texto não é o caso em si, apesar de ele ser absolutamente arrebatador, e de por conta dele mesmo eu não ter conseguido escrever nada por aqui, ou por lugar nenhum, nem pensar com clareza ou tomar uma posição e falar alguma coisa. 

A minha posição é clara. Há muita coisa errada na relação que a nossa sociedade tem com o papel das mulheres. Não espero aqui explicar os motivos históricos deste problema, nem convidar ninguém a algum movimento feminista ou algo do tipo.

Minha proposta é apenas pensar junto com vocês, como é possível que tantos rapazes possam não apenas achar que seria uma boa ideia cometer o crime do estupro coletivamente, como também divulgar o ato nas redes sociais como um troféu.

O que passa pela minha cabeça é que os rapazes acreditam que fizeram algo digno de ser compartilhado, algo que lhes geraria uma fama positiva, que sem dúvida, acabou gerando um movimento dividido em dois lados: os que acreditam e os que não acreditam no que aconteceu. Uma calamidade absoluta, dado que o ato está gravado.

Se hoje, em muitos lugares do Brasil, tivemos manifestações muito fortes contrárias ao que estão chamando de "Cultura do Estupro", é por que algo neste compartilhamento violento fez as pessoas pensarem. Pensarem sobre como estão educando a sociedade, em especial as crianças, sobre o que é ser uma mulher e o quanto (?) ela vale. 

As mulheres são educadas as serem cuidadosas com diversas coisas, por que os meninos "são assim mesmo", enquanto os meninos estão sendo educados para serem agressivos, violentos, objetificarem as mulheres com muita naturalidade.

A mensagem não vem claramente, nem verbalmente, mas vem de forma a inferiorizar o papel feminino e a desumanizar a mulher, colocando-a como um objeto, desde a sua "função" mais básica. 

As mulheres são as esposas, são as mães, são as profissionais de menor valor, tem as opiniões de menor valor, tem o mesmo emprego apenas se ganhar menos. São desmerecidas no mercado de trabalho por que podem engravidar e trazer um "prejuízo" ao empregador. 

Na vida real, as mulheres, que trazem a humanidade à luz, são meros objetos. Os homens aprendem isso nas revistas, com os pais, tios e amigos que os levam para serem "iniciados" nas casas de prostituição, que assistem à industria pornográfica que além de gerar tráfico de mulheres, fornece uma imagem absolutamente centrada no prazer do homem e trata os relacionamentos de forma agressiva e irreal, gerando um imaginário em que a violência está permanentemente associada ao sexo.

Este imaginário não é real e assistir e este tipo de produção financia não apenas uma vida de fantasias sexuais doentias, atrapalhando muito a forma com um homem vai conseguir sentir prazer depois de assisti-los, como também financia a produção real de demanda nesta indústria que violenta de diversas formas as mulheres que trabalham nela. 

Uma menina ou uma mulher que passa por abuso, por situação de violência sexual, sendo ela física, emocional ou psicológica, acha que tem culpa nisso, pois a sociedade ensina as meninas a terem cuidado com o que fazem, o que falam, por onde andam, como se comportam e como se vestem, como se isso justificasse a violência do homem. 

Muitas vezes, dentro ou fora deste mercado do sexo e da pornografia, as mulheres acabam por entrarem numa vida de culpabilização tão intensa que sua auto estima se esvai e elas acabam por entrar em mecanismos de auto destruição severos, como o abuso de drogas, ou mesmo se colocam em situação de vulnerabilidade ou ainda chegam a cometer o suicídio.

Em certas culturas e religiões, e mesmo na nossa mídia de massa, dadas as devidas proporções, o homem é tratado como "um animal que não consegue reprimir seus instintos", e o papel da mulher seria se casar para satisfazer o desejo dele e se esconder dos outros animais que não são seus maridos. Isso está certo? Absolutamente não!!!

Não há nada que justifique que esta educação tão díspar entre os gêneros, que mesmo que com bases religiosas se perpetuam sem críticas, já que as religiões são antigas e podem ter surgido em uma época em que a mulher não era vista nem como ser humano.

Hoje já tivemos inúmeros avanços. Votamos, temos direitos de existir independentemente de nossos pais ou de nossos maridos, podemos até não ter maridos, trabalhar, mas visão que é passada aos homens e mulheres que vem chegando, ainda é a pior possível. 

Ainda se duvida da violência sofrida por uma mulher baseando-se apenas na conduta dela, como se ser livre, ter uma vida sexual ativa, estar solteira, andar sozinha, beber, sair, falar palavrões, não ter uma religião, ter amigos homens, ou qualquer outro comportamento pudesse justificar um estupro.

Veja bem, não há nada que possa justificar a violação do corpo de alguém. O limite entre dois corpos é bastante claro. Não há a possibilidade de alguém entrar dentro do corpo de outra pessoa sem que a pessoa queira. Simples assim. Independente do que a pessoa faz antes disso ou de seus hábitos na vida cotidiana. 

O nosso corpo é nosso. Mesmo sendo uma mulher. Tanto quanto o corpo de um homem é dele. Não é possível que uma premissa simples como essa não possa ser seguida.

E ela não é. Por que o corpo da mulher é usado como objeto em todo e qualquer meio de comunicação de forma banalizada. O corpo da mulher vende produtos, dá audiência a músicas, a filmes, peças de teatro. A sexualização da relação entre homem e mulher, de forma muito caricata e agressiva vende enredos de novelas, de filmes, seriados. A misoginia e a homofobia, além de outros preconceitos graves raciais, religiosos e de classe social, vendem programas de humor e dão suporte às conversas de bar e entre amigos nas redes sociais.

Uma novidade para vocês é a seguinte: assistir a estes programas e rir deles, comprar estes produtos, consumir o mercado do sexo ou a pornografia em vídeo, impressa ou de qualquer maneira e até rir das piadas de seus amigos sobre uma mulher é colaborar para cultura do estupro. 

Ela já é forte o suficiente e não precisa de incentivos e sim do contrário.

Numa analogia simples, podemos dizer que consumir os produtos da cultura do estupro e dizer que é contra ela, é equivalente a consumir produtos de origem animal e dizer que é contra o sofrimento dos animais.

Não é possível estar dos dois lados ao mesmo tempo. Ou você se posiciona de um lado ou do outro. 

Nesse sentido, acho que anestesiamos o raciocínio e a reflexão sobre um tema difícil por que a cultura é tao dominante que fica "chato" sair da norma imposta por ela. 

É como se sentir indignado com o tema, mas dizer "Não, mas eu só vou assistir a esse videozinho pornô hoje, não faz mal a ninguém", ou então "Não, mas só vou rir dessa piadinha sobre a mina que meu amigo comeu e fotografou para não ficar chato", ou ainda, duvidar deste caso tenebroso desta forma: "Nossa, mas será que essa menina não estava pedindo, ou que ela gostava destas coisas?". Não, ninguém está pedindo um estupro. Não importa do que ela goste! Se a pessoa está pedindo, não é mais um estupro, aí a coisa se transforma em sexo, que é ótimo, quando as pessoas querem fazê-lo. Se a menina estava desacordada, ela não tinha como querer. Simples assim. 

Enfim, difícil demais falar sobre isso, pensar sobre isso. 

Só espero, do fundo do meu coração, que esta tragédia absurdamente revoltante tenha servido para as pessoas pensarem sobre como estão agindo, como estão pensando, como estão aceitando o que lhes é imposto goela abaixo, como estão tratando seus parceiros, seus filhos, como estão educando suas crianças, como estão contribuindo para essa atrocidade e como podem mudar o montante de sua contribuição. 

Vamos continuar lutando contra essa disparidade absurda entre como o mundo deveria ser e como ele acaba sendo, por força de velhos e tenebrosos hábitos?

Vamos nos incomodar e com isso parar para pensar? Espero verdadeiramente que sim!

Um abraço, 
Carol

sábado, 16 de abril de 2016

Sobre a repressão da sexualidade e suas consequências



Olá, 

A sexualidade é uma das áreas mais complexas com as quais lidamos dentro da psicologia e também fora dela, na sociedade. As lutas de gênero em relação a igualdade e a tentativa de minar o preconceito em relação a estereótipos que temos dos papéis de homem e de mulher são problemas que precisamos tentar pensar sempre e sair do óbvio, que nos limita a sermos algo pelo que se espera de nós e não o que de fato desejamos ser. 

Neste sentido, o trabalho como terapeuta é muito duro. Duro porque temos que nos haver com as consequências de muitas destas ações do coletivo em relação a repressão, à falta de apoio e ao profundo medo e preconceito que se instaura dentro das pessoas a partir de suas experiências pessoais em relação à própria sexualidade, que quase é sempre conturbada.

Falo aqui de todo o qualquer percurso dentro de se tornar um homem ou uma mulher, que passam por experiencias que marcam o corpo, sentidas quase sempre como uma espécie de abuso, de ultrapassagem do limite do outro em nossa privacidade corporal ou mesmo fantasiosa. Abusos  podem ser sentidos de diversas formas e não são apenas os físicos propriamente ditos, mas há também os emocionais e psicológicos, pela repressão verbal que se pode fazer no outro, impossibilitando que ele seja ele mesmo. 

Imagine sofrer na infância ou na adolescência algum tipo de abuso sexual real, por alguém de sua família, da escola, um vizinho, alguém do seu convívio ou mesmo um estranho e não ter coragem de falar sobre isso por medo de ser julgado por isso.

Parece um absurdo, mas é isso o que acontece. As pessoa tem tantos problemas relacionados à própria trajetória pessoal em sua sexualidade que não suportam saber sobre algo do outro, sem reproduzir o julgamento que receberam na infância.

A trajetória de experiências e descobertas na sexualidade é sempre recheada de confusões, julgamentos pesados, imposições e repressões porque vem passando de geração para geração uma dificuldade absurda em lidar com ela com tranquilidade. E principalmente por que na infância, não temos condições de saber o que é o sexual, pois ele não faz sentido nos termos adultos, pois é apenas mais uma parte da exploração do corpo, do auto conhecimento, que vai se tornando reprimido quando a criança percebe o olhar do adulto sobre o próprio comportamento de curiosidade com seus próprios órgãos ou com os órgãos dos amigos, da mesma idade.

Temos nesse olhar do adulto as questões religiosas, histórias de repressão, de abusos, medos que fazem as pessoas sentirem vergonha de algo que é natural que é a sensação de prazer que nossos órgãos nos proporcionam. Essa vergonha que o adulto impõe na criança que está livre desse julgamento e que passa a carregar estas sensações também quando é reprimida.

É na sexualidade em especial que nos lembramos que somos animais também. Que temos hormônios e que o instinto é muito intenso de reprodução, de satisfação individual ou de busca por um parceiro que possa oferecer a satisfação neste sentido. Não há nada de errado no instinto.

Porém, o corpo da gente é só nosso. E é preciso ter certeza de que não é possível ao outro do lado de fora, fazer com ele algo que nós não queremos com ele. Mas isso acontece muitas e mutias vezes e com muitas e muitas pessoas, o tempo todo. E não apenas na infância. Somos julgados, depreciados, nos dizem o que é ser um homem ou uma mulher o que estes papéis representam o tempo todo, sendo que na realidade não há uma única representação possível a cada gênero, pois existem tantas representações possíveis de homens e mulheres quanto existem homens e mulheres, pois não existem duas pessoas iguais, independente de seu gênero.

Por conta disso tudo, a nossa privacidade é invadida por estas visões e definições do outro e do que ele espera de nós, normalmente numa idade tão precoce que não conseguimos nem entender o que foi aquilo. O problema é que mais tarde vem a ser compreendido e pode gerar culpa e vergonha, trazendo grandes dificuldades para o desenvolvimento de  uma vida sexual adulta saudável. 

É preciso lembrar, no caso de abusos físicos e reais e mesmo nos psicológicos e emocionais verbais, que não se pode culpabilizar a vítima em nenhuma circunstância. E infelizmente, muitas vezes é isso que o núcleo familiar, nossos parceiros ou amigos próximos fazem, por não saber como lidar com a sexualidade do outro, já que não sabe lidar nem mesmo com a sua própria e saber sobre a dificuldade da trajetória do outro nos relembra das nossas próprias, trazendo angústia e vontade de esquecer. Neste sentido, fazemos uma eterna repressão do outro, reproduzindo o que nos foi difícil o invés de elaborar estas experiências.

Meu desejo é que as pessoas possam conseguir estar mais em paz com as marcas que a trajetória do corpo vai nos deixando, julgando menos a si mesmas e que assim possam também julgar menos o outro ao seu lado. 

A terapia serve como espaço também para a elaboração das histórias destas marcas. Nosso corpo vem marcado por elas e são elas que nos fazem sermos quem somos, experienciar o mundo como experienciamos e trazer uma visão única e individual ao mundo. 

Não abafe a sua própria história, seja amigo dela, a conheça, se perdoe e perdoe aos que possam tê-la afetado de forma negativa, tente compreender que mesmo quem fez mal, deve ter passado por isso também antes de fazer e estava apenas reproduzindo. Vamos tentar parar reproduzir a repressão e o julgamento, tentando entender o outro em seu ponto de vista?

Esse é meu apelo a todos que apenas individualmente e um de cada vez podem fazer aos poucos uma sociedade mais igualitária, mais tolerante e mais plena, se relacionando melhor com si mesmos para só então poderem se relacionar melhor com o outro ao seu lado.

Vamos juntos?

Um abraço!
Carol

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Sexualidade, abuso e respeito



Olá, 

Hoje eu quero falar sobre a sexualidade. Não sobre gênero, nem sobre machismo ou feminismo, mas sobre o corpo e suas marcas. 

Todos nós temos um corpo, sejamos homens ou mulheres, e nos relacionamos com o mundo através dele. Muitas são as marcas que podem afetar o corpo gerando uma relação boa ou ruim com o ele e com o corpo do outro. A sexualidade é o fruto destas marcas, destas experiências boas ou ruins e refletem diretamente na vida sexual de um adulto. 

No consultório é comum chegarem histórias de abuso sexual infantil ou mesmo de adultos. Um abuso pode ser real, através de uma invasão ao corpo do outro quando este nem entende o próprio corpo, quando é o caso de uma criança, ou quando não há o consentimento no caso de um adulto, mas ele também pode ser verbal, quando há uma insistente fala pejorativa sobre um aspecto do corpo de alguém, como em relação ao peso ou outro aspecto físico, por exemplo. 

Em todos os casos, a consequência é sempre muito grave para quem sofre, podendo ser fonte de sofrimento inesgotável, gerando depressão, isolamento, ideias ou atos suicidas, ou ainda, pode gerar um adulto ou crianças que também abusem de outras crianças ou adultos, alimentando o ciclo do abuso.

Não há muito o que se possa elaborar numa terapia quando uma criança sofre abuso e ela se sente culpada por isso pelo resto da vida. Mesmo sendo a vítima e não reproduzindo o comportamento depois. Elaborar os fatos vividos pode ser sentido como reviver as cenas que trazem vergonha, tristeza e sentimentos muito profundos e por isso a busca por tratamento acaba sendo evitada em muitos casos. 

De qualquer maneira, quando há a busca pelo tratamento, é possível sim haver uma reelaboração das experiências que pode trazer alívio e melhoras consideráveis na desorganização que uma experiência como esta pode causar.

O corpo de uma criança ou de um adolescente está em pleno descobrimento. O que devemos fazer em relação a isso é permitir que a criança conheça a si mesma, que explore seu próprio corpo e até o de amigos da mesma idade, mas orientando-os para que não haja uma relação de poder envolvida. Ninguém deve mandar em ninguém neste tipo de descoberta, ou seja, quem dá o limite do que pode ou não pode fazer é o dono do próprio corpo.

O nosso corpo é a nossa casa. Ele é sagrado e deve ser respeitado desde a mais tenra infância e depois seguir assim para sempre. O limite só quem pode colocar somos nós mesmos e a criança precisa aprender isso, pois não sabe lidar com seu corpo e mal o entende. Não há nenhuma outra regra a não ser o limite da igualdade. Não há igualdade alguma numa relação entre uma adulto e uma criança, por isso também não pode haver a sexualidade aí. 

Na experimentação entre duas crianças, assim como tudo que acontece com os pequenos, deve haver a supervisão de um adulto. Porém, como a sexualidade é um tema muito difícil para nós adultos, pois esbarra nas muitas marcas, tabus ou questões morais confusas e com nossos próprios conceitos de certo e errado, acabamos por deixar tudo meio confuso para os pequenos também. 

Não há receita em relação ao que fazer, pois depende da forma como cada adulto consegue lidar com a própria sexualidade, mas é importante sempre refletir e conversar com a criança de mente leve e aberta, pois eles não interpretam o mundo da mesma forma que nós, não tem as nossas marcas e nem as experiências boas ou ruins que tivemos. Cabe a nós permitir-lhes experimentar de forma segura e orientada, sem atropelar seu ritmo, nem dar informações demais antes de ouvir suas questões. 

Já em relação aos adultos, cujas marcas já estão aí estabelecidas e traçadas, cabe se questionar de onde elas vieram, se podem ser elaboradas novamente, se elas não estão pesadas demais e se ainda fazem sentido na vida sexual adulta. 

Não é possível eliminar uma marca despertada pela própria história corporal de cada um de nós. Mas é possível se manter aberto a perceber o próprio corpo e o corpo do outro com quem se relaciona de novas formas, sempre respeitando os mesmos limites dos pequenos: o da igualdade, do famoso "quando um não quer, dois não fazem", que apesar de ser um dito popular, nem sempre é o que acontece nas relações, mas é o que se deveria respeitar neste e em todos os aspectos de uma relação a dois. 

O respeito é a base. Sempre. E mesmo que o consentimento não seja verbal, o limite é simples. Basta ter a sensibilidade de não fazer com o outro o que você não gostaria que fizessem com você. 

Combinado?