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quarta-feira, 1 de junho de 2016
Sobre a Cultura do Estupro
Olá,
andei um pouco ausente do blog, em parte por excesso de trabalho e em parte por conta de me sentir incapacitada a dizer algo depois do evento escabroso da semana passada do estupro coletivo de uma garota de 16 anos no Rio de Janeiro.
O que está em jogo neste texto não é o caso em si, apesar de ele ser absolutamente arrebatador, e de por conta dele mesmo eu não ter conseguido escrever nada por aqui, ou por lugar nenhum, nem pensar com clareza ou tomar uma posição e falar alguma coisa.
A minha posição é clara. Há muita coisa errada na relação que a nossa sociedade tem com o papel das mulheres. Não espero aqui explicar os motivos históricos deste problema, nem convidar ninguém a algum movimento feminista ou algo do tipo.
Minha proposta é apenas pensar junto com vocês, como é possível que tantos rapazes possam não apenas achar que seria uma boa ideia cometer o crime do estupro coletivamente, como também divulgar o ato nas redes sociais como um troféu.
O que passa pela minha cabeça é que os rapazes acreditam que fizeram algo digno de ser compartilhado, algo que lhes geraria uma fama positiva, que sem dúvida, acabou gerando um movimento dividido em dois lados: os que acreditam e os que não acreditam no que aconteceu. Uma calamidade absoluta, dado que o ato está gravado.
Se hoje, em muitos lugares do Brasil, tivemos manifestações muito fortes contrárias ao que estão chamando de "Cultura do Estupro", é por que algo neste compartilhamento violento fez as pessoas pensarem. Pensarem sobre como estão educando a sociedade, em especial as crianças, sobre o que é ser uma mulher e o quanto (?) ela vale.
As mulheres são educadas as serem cuidadosas com diversas coisas, por que os meninos "são assim mesmo", enquanto os meninos estão sendo educados para serem agressivos, violentos, objetificarem as mulheres com muita naturalidade.
A mensagem não vem claramente, nem verbalmente, mas vem de forma a inferiorizar o papel feminino e a desumanizar a mulher, colocando-a como um objeto, desde a sua "função" mais básica.
As mulheres são as esposas, são as mães, são as profissionais de menor valor, tem as opiniões de menor valor, tem o mesmo emprego apenas se ganhar menos. São desmerecidas no mercado de trabalho por que podem engravidar e trazer um "prejuízo" ao empregador.
Na vida real, as mulheres, que trazem a humanidade à luz, são meros objetos. Os homens aprendem isso nas revistas, com os pais, tios e amigos que os levam para serem "iniciados" nas casas de prostituição, que assistem à industria pornográfica que além de gerar tráfico de mulheres, fornece uma imagem absolutamente centrada no prazer do homem e trata os relacionamentos de forma agressiva e irreal, gerando um imaginário em que a violência está permanentemente associada ao sexo.
Este imaginário não é real e assistir e este tipo de produção financia não apenas uma vida de fantasias sexuais doentias, atrapalhando muito a forma com um homem vai conseguir sentir prazer depois de assisti-los, como também financia a produção real de demanda nesta indústria que violenta de diversas formas as mulheres que trabalham nela.
Uma menina ou uma mulher que passa por abuso, por situação de violência sexual, sendo ela física, emocional ou psicológica, acha que tem culpa nisso, pois a sociedade ensina as meninas a terem cuidado com o que fazem, o que falam, por onde andam, como se comportam e como se vestem, como se isso justificasse a violência do homem.
Muitas vezes, dentro ou fora deste mercado do sexo e da pornografia, as mulheres acabam por entrarem numa vida de culpabilização tão intensa que sua auto estima se esvai e elas acabam por entrar em mecanismos de auto destruição severos, como o abuso de drogas, ou mesmo se colocam em situação de vulnerabilidade ou ainda chegam a cometer o suicídio.
Em certas culturas e religiões, e mesmo na nossa mídia de massa, dadas as devidas proporções, o homem é tratado como "um animal que não consegue reprimir seus instintos", e o papel da mulher seria se casar para satisfazer o desejo dele e se esconder dos outros animais que não são seus maridos. Isso está certo? Absolutamente não!!!
Não há nada que justifique que esta educação tão díspar entre os gêneros, que mesmo que com bases religiosas se perpetuam sem críticas, já que as religiões são antigas e podem ter surgido em uma época em que a mulher não era vista nem como ser humano.
Hoje já tivemos inúmeros avanços. Votamos, temos direitos de existir independentemente de nossos pais ou de nossos maridos, podemos até não ter maridos, trabalhar, mas visão que é passada aos homens e mulheres que vem chegando, ainda é a pior possível.
Ainda se duvida da violência sofrida por uma mulher baseando-se apenas na conduta dela, como se ser livre, ter uma vida sexual ativa, estar solteira, andar sozinha, beber, sair, falar palavrões, não ter uma religião, ter amigos homens, ou qualquer outro comportamento pudesse justificar um estupro.
Veja bem, não há nada que possa justificar a violação do corpo de alguém. O limite entre dois corpos é bastante claro. Não há a possibilidade de alguém entrar dentro do corpo de outra pessoa sem que a pessoa queira. Simples assim. Independente do que a pessoa faz antes disso ou de seus hábitos na vida cotidiana.
O nosso corpo é nosso. Mesmo sendo uma mulher. Tanto quanto o corpo de um homem é dele. Não é possível que uma premissa simples como essa não possa ser seguida.
E ela não é. Por que o corpo da mulher é usado como objeto em todo e qualquer meio de comunicação de forma banalizada. O corpo da mulher vende produtos, dá audiência a músicas, a filmes, peças de teatro. A sexualização da relação entre homem e mulher, de forma muito caricata e agressiva vende enredos de novelas, de filmes, seriados. A misoginia e a homofobia, além de outros preconceitos graves raciais, religiosos e de classe social, vendem programas de humor e dão suporte às conversas de bar e entre amigos nas redes sociais.
Uma novidade para vocês é a seguinte: assistir a estes programas e rir deles, comprar estes produtos, consumir o mercado do sexo ou a pornografia em vídeo, impressa ou de qualquer maneira e até rir das piadas de seus amigos sobre uma mulher é colaborar para cultura do estupro.
Ela já é forte o suficiente e não precisa de incentivos e sim do contrário.
Numa analogia simples, podemos dizer que consumir os produtos da cultura do estupro e dizer que é contra ela, é equivalente a consumir produtos de origem animal e dizer que é contra o sofrimento dos animais.
Não é possível estar dos dois lados ao mesmo tempo. Ou você se posiciona de um lado ou do outro.
Nesse sentido, acho que anestesiamos o raciocínio e a reflexão sobre um tema difícil por que a cultura é tao dominante que fica "chato" sair da norma imposta por ela.
É como se sentir indignado com o tema, mas dizer "Não, mas eu só vou assistir a esse videozinho pornô hoje, não faz mal a ninguém", ou então "Não, mas só vou rir dessa piadinha sobre a mina que meu amigo comeu e fotografou para não ficar chato", ou ainda, duvidar deste caso tenebroso desta forma: "Nossa, mas será que essa menina não estava pedindo, ou que ela gostava destas coisas?". Não, ninguém está pedindo um estupro. Não importa do que ela goste! Se a pessoa está pedindo, não é mais um estupro, aí a coisa se transforma em sexo, que é ótimo, quando as pessoas querem fazê-lo. Se a menina estava desacordada, ela não tinha como querer. Simples assim.
Enfim, difícil demais falar sobre isso, pensar sobre isso.
Só espero, do fundo do meu coração, que esta tragédia absurdamente revoltante tenha servido para as pessoas pensarem sobre como estão agindo, como estão pensando, como estão aceitando o que lhes é imposto goela abaixo, como estão tratando seus parceiros, seus filhos, como estão educando suas crianças, como estão contribuindo para essa atrocidade e como podem mudar o montante de sua contribuição.
Vamos continuar lutando contra essa disparidade absurda entre como o mundo deveria ser e como ele acaba sendo, por força de velhos e tenebrosos hábitos?
Vamos nos incomodar e com isso parar para pensar? Espero verdadeiramente que sim!
Um abraço,
Carol
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Sexualidade, abuso e respeito
Olá,
Hoje eu quero falar sobre a sexualidade. Não sobre gênero, nem sobre machismo ou feminismo, mas sobre o corpo e suas marcas.
Todos nós temos um corpo, sejamos homens ou mulheres, e nos relacionamos com o mundo através dele. Muitas são as marcas que podem afetar o corpo gerando uma relação boa ou ruim com o ele e com o corpo do outro. A sexualidade é o fruto destas marcas, destas experiências boas ou ruins e refletem diretamente na vida sexual de um adulto.
No consultório é comum chegarem histórias de abuso sexual infantil ou mesmo de adultos. Um abuso pode ser real, através de uma invasão ao corpo do outro quando este nem entende o próprio corpo, quando é o caso de uma criança, ou quando não há o consentimento no caso de um adulto, mas ele também pode ser verbal, quando há uma insistente fala pejorativa sobre um aspecto do corpo de alguém, como em relação ao peso ou outro aspecto físico, por exemplo.
Em todos os casos, a consequência é sempre muito grave para quem sofre, podendo ser fonte de sofrimento inesgotável, gerando depressão, isolamento, ideias ou atos suicidas, ou ainda, pode gerar um adulto ou crianças que também abusem de outras crianças ou adultos, alimentando o ciclo do abuso.
Não há muito o que se possa elaborar numa terapia quando uma criança sofre abuso e ela se sente culpada por isso pelo resto da vida. Mesmo sendo a vítima e não reproduzindo o comportamento depois. Elaborar os fatos vividos pode ser sentido como reviver as cenas que trazem vergonha, tristeza e sentimentos muito profundos e por isso a busca por tratamento acaba sendo evitada em muitos casos.
De qualquer maneira, quando há a busca pelo tratamento, é possível sim haver uma reelaboração das experiências que pode trazer alívio e melhoras consideráveis na desorganização que uma experiência como esta pode causar.
De qualquer maneira, quando há a busca pelo tratamento, é possível sim haver uma reelaboração das experiências que pode trazer alívio e melhoras consideráveis na desorganização que uma experiência como esta pode causar.
O corpo de uma criança ou de um adolescente está em pleno descobrimento. O que devemos fazer em relação a isso é permitir que a criança conheça a si mesma, que explore seu próprio corpo e até o de amigos da mesma idade, mas orientando-os para que não haja uma relação de poder envolvida. Ninguém deve mandar em ninguém neste tipo de descoberta, ou seja, quem dá o limite do que pode ou não pode fazer é o dono do próprio corpo.
O nosso corpo é a nossa casa. Ele é sagrado e deve ser respeitado desde a mais tenra infância e depois seguir assim para sempre. O limite só quem pode colocar somos nós mesmos e a criança precisa aprender isso, pois não sabe lidar com seu corpo e mal o entende. Não há nenhuma outra regra a não ser o limite da igualdade. Não há igualdade alguma numa relação entre uma adulto e uma criança, por isso também não pode haver a sexualidade aí.
Na experimentação entre duas crianças, assim como tudo que acontece com os pequenos, deve haver a supervisão de um adulto. Porém, como a sexualidade é um tema muito difícil para nós adultos, pois esbarra nas muitas marcas, tabus ou questões morais confusas e com nossos próprios conceitos de certo e errado, acabamos por deixar tudo meio confuso para os pequenos também.
Não há receita em relação ao que fazer, pois depende da forma como cada adulto consegue lidar com a própria sexualidade, mas é importante sempre refletir e conversar com a criança de mente leve e aberta, pois eles não interpretam o mundo da mesma forma que nós, não tem as nossas marcas e nem as experiências boas ou ruins que tivemos. Cabe a nós permitir-lhes experimentar de forma segura e orientada, sem atropelar seu ritmo, nem dar informações demais antes de ouvir suas questões.
Já em relação aos adultos, cujas marcas já estão aí estabelecidas e traçadas, cabe se questionar de onde elas vieram, se podem ser elaboradas novamente, se elas não estão pesadas demais e se ainda fazem sentido na vida sexual adulta.
Não é possível eliminar uma marca despertada pela própria história corporal de cada um de nós. Mas é possível se manter aberto a perceber o próprio corpo e o corpo do outro com quem se relaciona de novas formas, sempre respeitando os mesmos limites dos pequenos: o da igualdade, do famoso "quando um não quer, dois não fazem", que apesar de ser um dito popular, nem sempre é o que acontece nas relações, mas é o que se deveria respeitar neste e em todos os aspectos de uma relação a dois.
O respeito é a base. Sempre. E mesmo que o consentimento não seja verbal, o limite é simples. Basta ter a sensibilidade de não fazer com o outro o que você não gostaria que fizessem com você.
Combinado?
Um abraço,
Carol
carolinatorrespsicologa. blogspot.com.br
Carol
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