Olá,
Difícil não passar por aqui para comentar as notícias doídas do país com que inicia o nosso ano.
Primeiro perdemos um ambulante que defendeu uma colega no metrô Pedro II em São Paulo, pelo simples fato de ela ser uma transsexual e os homens, bêbados no dia de natal, distribuindo violência gratuitamente.
Difícil não lembrar que a reverberação do caso se deu pelo fato do evento ter sido filmado pelas câmeras do metrô e também pela morte em si ter sido de um homem heterossexual que defendeu a moça transsexual, num ato de heroísmo, por ser sua amiga. Se ela fosse a vítima, duvido muito que o caso teria a reverberação que teve. Como a maior parte dos casos que acontecem o tempo todo não tem.
Depois, no ano novo, tivemos a chacina de um pai que matou grande parte da família da esposa e o filho de 8 anos, se matando em seguida. 12 mortes. Vítimas do machismo, como podemos constatar na sua carta de despedida, divulgada pela imprensa.
E hoje, tivemos a chacina na penitenciaria da Amazônia, que permitiu que facções rivais estivessem num mesmo ambiente. O Estado que é responsável por estas vidas permitiu esta violência, já que a instituição inclusive é dirigida por uma empresa terceirizada e não diretamente pelo governo. Um absurdo.
Estou muito impactada e espero que possamos reverter esse quadro de desolação e desesperança com o qual entramos o ano.
Temos muito o que refletir e melhorar em nossas ações e na forma como educamos as pessoas, em especial os homens, para deixar de permitir que ações baseadas em subjulgar o outro como inferior como fazem com as mulheres, com os homossexuais, com os pobres e com os negros.
Precisamos de mais empatia, mais amor entre as pessoas, mais noções básicas de direitos humanos e de justiça social para que as pessoas se machuquem menos, se tratem melhor, confiem mais em si mesmas e no outro.
Precisamos de mudanças na cultura que rege as nossas relações e nossas noções de papel social, com urgência.
Precisamos cuidar mais de nós mesmos, para que não façamos ou sejamos vítimas de algo parecido com o que tem acontecido em nenhum grau de comparação.
Vamos ficar atentos!
Um abraço,
Carol
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segunda-feira, 2 de janeiro de 2017
sexta-feira, 29 de julho de 2016
Existem mais questões entre pais e filhos do que queremos acreditar
Olá,
Saiu na edição deste mês um texto meu na Revista Psicologia da editora Mythos.
Minha matéria é a última chamada "Existe mais questões entre pais e filhos do que queremos acreditar".
Está na página 44 deste link: https://drive.google.com/file/d/0B4lRqFVUqvsnNnFfcmF5VUZLYzA/view?usp=sharing
E também na transcrição abaixo:
Espero que gostem!
Um abraço!
Carol
No trabalho clínico é importante orientar os pais nesta busca
de justificativas e compreensão profunda de onde vem a demanda por tratamento,
mas também é muito importante poder trabalhar
com a criança entendendo a visão dela sobre como esta demanda aparece e como
pode ser traduzida aos pais. As sessões em família propriamente dita, com todos
reunidos são imprescindíveis na ajuda quando a comunicação está travada entre
pais e filhos. A terapia pode acabar retomando uma naturalização do vínculo
entre crianças e pais, especialmente quando se propõem situações lúdicas e de
descontração através da qual o psicólogo pode intervir, auxiliando para que a
conversa possa fluir novamente entre os pares, trazendo espaços de negociação,
de compreensão e de afeto que podem ter se desgastado ao longo das brigas e
desentendimentos entre pais e filhos.
Saiu na edição deste mês um texto meu na Revista Psicologia da editora Mythos.
Minha matéria é a última chamada "Existe mais questões entre pais e filhos do que queremos acreditar".
Está na página 44 deste link: https://drive.google.com/file/d/0B4lRqFVUqvsnNnFfcmF5VUZLYzA/view?usp=sharing
E também na transcrição abaixo:
Espero que gostem!
Um abraço!
Carol
Existem mais questões entre pais e filhos do
que queremos acreditar
Como a terapia familiar pode ajudar no desenvolvimento de
estratégias para negociar de maneira saudável com a criança
Carolina Torres*
Influências na relação de uma criança com seus
pais
No trabalho psicoterapêutico com famílias, existem diversos
âmbitos que devemos considerar na prática clínica que influenciam diretamente a
relação que os pais terão com uma criança. Não existe apenas uma forma de se
constituir enquanto indivíduo. Uma família
é atravessada por gerações e relações intergeracionais que não podem ficar de
fora quando avaliamos e ajudamos na orientação de uma família que se sente despreparada
ou em desequilíbrio na forma de solucionar conflitos com a criança.
É importante pensarmos, antes mesmo de acolher uma família,
de onde vêm as principais influências na vida de uma pessoa e tratar das
relações a partir de todos estes âmbitos a que cada membro da família está
sujeito. Estes âmbitos são essencialmente três: o ambiente cultural, ou seja, o
contexto onde esta pessoa vive e sob que influências de valores e de ideais ele
participa; o ambiente social, ou seja, as principais relações reais externas à
família a que está sujeito e a que tem acesso; e também o ambiente familiar,
que pode ser extenso, mas que deve se restringir a análise daqueles que
realmente geram uma influência direta ao núcleo familiar que estaremos
tratando.
Nem sempre é fácil definir este tipo de influência nos três
âmbitos e reconhecer ao que cada núcleo familiar está sendo direcionado a
idealizar numa criança, sem mesmo perceber, ou seja, de forma inconsciente.
Das relações com o ambiente cultural surgem as demandas e
concepções mais amplas que nem sempre são questionadas pela família gerando
padrões artificiais sobre o que é a normalidade, sobre a expectativa a que este
núcleo familiar deve corresponder e que pode ser muito cruel, exigindo sucesso
nas mais diversas áreas de forma idealizada e desumana como na saúde física, na
aparência, no status social, na “popularidade”, em ser ou não influente, em ter
ou não uma renda que permita adquirir itens específicos, entre outras coisas.
Este ideal externo pode ter influência na relação dos pais com seus filhos gerando
uma disparidade entre a relação real e o interesse pelo que o filho pode
oferecer e do que gosta de fato, podendo gerar uma expectativa massificada que
precisa ser desmistificada, para gerar menos sofrimento e proporcionar uma
relação real.
Um filho que seja mais tímido, inseguro ou que tenha
dificuldade de se expressar em público pode não apenas preocupar, mas também
frustrar ou envergonhar pais que idealizaram um filho que fosse popular e “descolado”.
Este tipo de idealização pode ter raízes na mídia, na ideia de sucesso contida
em filmes, novelas, seriados, propagandas, ou também pode vir a serviço de
reproduzir um desejo que os pais têm em relação ao filho de que este possa
redimir sua própria experiência na idade dele, “reparando” uma fase deles de
insucesso na vida escolar, por exemplo.
Não é raro ver pais que desejam ver em seus filhos uma
continuação aprimorada de si mesmos e obrigam as crianças a fazerem um esporte,
a tocar um instrumento, a participar de um grupo religioso, de um clube, a
fazer um curso específico na graduação ou mesmo a enveredarem numa profissão,
apenas porque este era o seu próprio desejo que não foi possível ser realizado.
Neste exemplo se misturam as influências dos âmbitos culturais, sociais e
familiares.
Desta maneira, a influência social transpassa gerações e
precisa de muita reflexão para ser desmistificada e para que os pais consigam
se separar da criança, deixando-a viver aquilo que realmente tem a ver com ela
e não com os desejos impostos pelos âmbitos culturais, sociais ou familiares.
O problema é que muitas vezes estas expectativas e
influencias não aparecem para os pais de forma consciente e por poder
transpassar mais de uma geração, sendo repassada por questões não ditas que
passaram desde os avós ou bisavós da criança, sem o advento das palavras, mas
apenas através de ações que foram sendo reproduzidas como a única possibilidade
de existência dentro deste núcleo familiar, não é claro para a maioria dos pais
que seja possível encararem o filho de forma diferente, mas é!
Não raro uma mãe que saiu da casa de sua própria mãe para se
casar e mudar de Estado, por exemplo, teme tanto que uma filha siga seus passos,
que não permite que sua filha trave laços reais com seus pares, aflita de que a
criança a deixe sozinha, repetindo sua história. Nestes casos, a criança pode
sofrer por não poder expressar seu afeto pelas outras pessoas, e pode, no final
do processo, fugir de casa ou traçar um caminho que gere este “abandono”, para
poder finalmente travar os laços que quiser fora do controle excessivo causado
pela mãe. Este é um exemplo típico da influencia do âmbito familiar.
Quando este tipo de desfecho acontece, chamamos a temática
que a mãe teme de “Profecia auto realizadora”, pois o que ela teme acaba mesmo
por acontecer, pelas suas próprias ações reativas ao medo de que isso aconteça.
O processo é totalmente inconsciente e pode ser trabalhado num processo
terapêutico que vá destrinchando as relações intergeracionais até atingir um
ponto de entendimento da situação, que pode ser muito anterior a esta própria família
que estamos tratando, dependendo do quanto há de conteúdo “não dito” nos
núcleos familiares que geraram influência sobre esta criança.
Também é muito comum que mães ou pais tenham uma experiência
de reviver a sua própria relação com os pais ao se transformarem eles mesmos em
pais, conseguindo compreender melhor alguns eventos e até mesmo elaborando uma
relação difícil anterior.
Neste momento pode ocorrer o quadro de “depressão pós parto”,
por exemplo, que faz com que as mães que acabaram de ter filhos entrem num
processo muito introspectivo que muitas vezes a deixam incapazes de cuidar do
próprio filho. Este processo pode ter variadas causas em cada mulher, mas muitas
vezes, pode estar associado à uma reação dela em ter que assumir o papel de mãe
e revivendo na possível regressão que a maternidade pode trazer de seu próprio
processo gestacional e da sua relação com a sua mãe nos primórdios da sua vida.
Os primeiros momentos de nossas vidas são sempre esquecidos por
nós, e a experiência de estar presente como a principal responsável por outro
ser humano, que é a maternidade ou a paternidade, é um evento que pode ser
encarado de diversas formas, mas a principal delas é vivida como uma dedicação
absoluta ao outro, como uma simbiose ou até mesmo uma sensação de
indiferenciação entre mãe e bebê.
Esta sensação é a que acontece com os bebês, que inicialmente
não tem noção de seus limites físicos ou psíquicos, tendo na relação com os
pais a possibilidade de compreender aos poucos que é ser um indivíduo separado
deles. Quando há uma regressão na mãe gerada por seus próprios conteúdos
internos mal elaborados na sua primeira infância, a mãe tem dificuldade de
oferecer suporte à individuação da criança e pode gerar dificuldades no
processo de desenvolvimento dela. Na confusão mental que a regressão da mãe
gera, ela pode achar natural que a criança seja esta continuação de si mesma,
sem existência autônoma, e isso pode ser muito nocivo no desenvolvimento do
bebê.
O trabalho de orientação familiar
No trabalho clínico de orientação familiar o que podemos
fazer inicialmente é escutar a demanda de angústia gerada pela criança em seus
pais e ir destrinchando aos poucos o que esta queixa significa: de onde ela vem
e a serviço de quem estamos trabalhando. Muitas vezes o que os pais nos pedem é
para manter a criança em um lugar de “bode expiatório” dos problemas do núcleo
familiar e quando a tratamos e a criança começa a melhorar por se diferenciar dos
pais e ter outra perspectiva de si mesma no espaço terapêutico, surge espaço
para uma elaboração na família, desestabilizando o funcionamento neurótico do
núcleo e é aí que muitos dos pais tiram a criança do tratamento, por medo do
que esta necessidade de mudança no ponto de equilíbrio nas relações familiares
pode gerar.
Um funcionamento doentio da família pode colocar a criança denominada
“difícil” como um foco que serve para desviar, por exemplo, uma dificuldade
real no relacionamento entre o casal, que tem como “desculpa” um comportamento
que demanda atenção na criança que não os permite encararem um ao outro.
Uma criança é um ser muito sensível a tudo que está ligado
diretamente a ela e os pais são seu porto seguro. Quando há uma dificuldade na
relação entre eles, a criança se desorganiza mesmo sem ser informada através de
palavras de que há algo de errado entre os pais. Há casos em que os pais dizem
que a criança não pode estar sofrendo com um desentendimento entre eles, pois
eles nunca brigaram em sua frente, ou, acreditam que a criança não entende
nada, e que, portanto, uma briga entre os pais não pode ter nada a ver com o
seu comportamento mais agitado, por exemplo.
É neste momento que os pais se enganam. Mesmo as crianças que
não falam, estão sempre muito atentas e conectadas ao que acontece ao seu redor
e, exatamente por não falar ou entender as palavras, que elas se conectam muito
mais ao “clima” afetivo e emocional que se instaura na casa e nas relações,
sendo ainda mais influenciada pelo “não dito” do que pelo dito. É importante
considerar a presença e a capacidade da criança de fazer parte da vida familiar
desde o início, mesmo quando ela não fala ou parece não entender nada, e é
assim que se vai gerando uma sensação de pertencimento e de segurança na
criança, por ser considerada um ser humano pensante tanto quanto todos os
adultos da casa, se organizando e se acalmando desta maneira.
Negociando com uma criança
O processo de negociação com uma criança parece complexo, mas
é o mais simples possível e deve se basear num conceito muito simples de
convivência: o respeito e a confiança.
Não é raro vermos adultos que lidam com crianças como se elas
fossem bichinhos sem consciência, que não precisam ser levados em conta intelectualmente
em nenhuma situação e que apenas são cuidados e transportados de um lado para o
outro sem haver uma comunicação verbal que considere a vontade da criança. Se
não há uma comunicação sobre o que está indo fazer ou outros detalhes do que
acontece a sua volta, como a criança vai irá desenvolver a capacidade de
negociação?
Neste tipo de relação não há nenhum tipo negociação e a
criança não aprende a se colocar e não consegue se sentir segura e confiante no
adulto responsável por ela. Ela pode nutrir um vínculo afetivo, mas se sente
desamparada e completamente fora do controle de sua própria vida, com angústias
que podem surtir efeitos colaterais variados, como a enurese noturna a
irritabilidade, a dificuldade de expressão verbal, agressividade, terrores
noturnos, entre outros.
É claro que não iremos oferecer a uma criança o controle
total sobre sua própria vida, pois ela depende de nós, adultos, para viver
durante um longo período de sua existência. Porém é sempre possível oferecer
algum nível de escolha a ela, nem que seja entre um suco de um sabor ou de
outro, um brinquedo de uma cor ou de outra, um lugar ou outro para sentar-se, o
colo de um adulto ou de outro, entre tantas outras pequenas ações que parecem
banais, mas que dão aos pequenos um exercício muito importante sobre como
funcionam as escolhas e uma noção mínima de controle sobre sua vida, que
afinal, se baseia em sequencias de pequenos momentos como nos exemplos que
demos.
É também essencial que se comunique às crianças sobre o que
irá acontecer na rotina delas e manter de fato uma sequencia de atividades que
sejam mais ou menos previsíveis para que as ajude a se organizar internamente. Engajar
a criança em tarefas simples como ajudar a organizar sua mochila ou lancheira
para a escola no dia seguinte, marcar num calendário quantos dias faltam para
um evento importante, saber o que irá acontecer na sequencia de dias, seja no
período letivo ou durante as férias ou finais de semana, entre outras coisas.
Eventos marcantes e que geram mobilização emocional, como uma doença na família
ou um luto precisam ser compartilhados com as crianças de alguma maneira, para
que elas possam também elaborar este fato, ao modo delas. Não existe um assunto
que não possa ser tratado com uma criança, mas ele não deve ser tratado de uma
forma “adultizada”. A criança tem seu universo simbólico e seus recursos para
lidar com as situações, mas não deve ser exposta a respostas sobre o que não
perguntou, mas se há interesse, ela deve sim ser participada dos eventos
importantes, especialmente se tiver a ver com a morte de algum ente querido.
Na conversa com crianças maiores que apresentam dificuldades
que preocupam seus pais, é possível que se encontrem num processo de muita insegurança, e que promovam brigas em relação a toda e
qualquer coisa que os adultos a peçam. É comum que as crianças não aceitem
pedidos simples como para tomar um banho, fazer uma lição de casa, guardar
brinquedos, arrumar o quarto, ou mesmo comer um vegetal, é preciso ter muita
paciência para conseguir promover uma mudança em sua noção de individualidade e
também tentar perceber de que maneira se está encarando esta criança, para não
fixá-la neste lugar de criança “problema”, impossibilitando através deste olhar
que ela possa ser ativa em suas decisões e que possa sair do papel dado a ela
pelo núcleo familiar. Por pior que o rótulo de “problemático” seja, ele é um
papel exercido por ela e que ela sabe representar. Por conta disso é preciso
oferecer a possibilidade de que ela exerça outros papéis, e só os adultos podem
ser capazes de dar espaço para que ela dê respostas espontâneas, oferecendo um
espaço de acolhimento que lhe faça sentir segurança em arriscar agir de outra
forma e a partir daí decidir que papel prefere exercer.
Não é possível e nem justo exigir algo da criança, como uma
postura de responsabilidade e maturidade quando se trata ou encara a criança em
outros momentos como um bebê, incapaz de participar das coisas. É preciso ter
consistência e respeitar o que se espera dela com clareza. É claro que para os
pais a criança será sempre um pequeno a ser cuidado, mas nem por isso é
impossível perceber seu crescimento e oferecer a ela situações de maturidade e
de responsabilidade, sempre de forma gradual e com o benefício da dúvida, para
ela possa errar e aprender aos poucos como lidar com a responsabilidade
oferecida. É importante que as exigências feitas façam sentido para a criança e
que não seja algo aleatório apenas porque se quer dar uma tarefa a
ser cumprida. É essencial conversar sobre a razão desta tarefa ser responsabilidade
dela e sua importância ao fazer isso.
O mais importante é ter em mente que as relações são sempre
perpassadas por outras relações e que ter respeito pela criança, como outro ser
humano, é o melhor que um pai ou mãe podem fazer. Tentar deixá-la ser quem ela é e não
uma continuação de si mesmo. Lembrar que se cria um filho para ser feliz e não
para cuidar de nós ou para realizar o que nós mesmos não conseguimos realizar.
Essa liberdade e respeito é o que pode gerar uma facilidade na negociação com
uma criança considerada “difícil” e também com qualquer outra criança e também
adulto. Devemos conseguir ser consistentes, inspirar confiança e tratar as
crianças como elas são: seres autônomos e livres e, principalmente,
independentes de nossa determinação.
Deixemos as crianças serem quem elas são, sempre orientando,
dando exemplos e inspirando os valores humanos que acreditamos, mas sem impor
ou diminuir as aspirações que surgirem deles, e veremos como elas são capazes
de nos surpreender, quando recebem esta liberdade e confiança.
*Carolina Torres é
psicóloga clínica e pedagoga em educação infantil. Atua em consultório
particular e na Escola Alecrim. Autora do Blog “Existe Psicologia em SP” (www.existepsicologiaemsp.blogspot.com) que trata de temas de psicologia, educação e
cultura. Contato através do e-mail: torres.carolina@gmail.com ou do telefone 11 9 9327 4319.
quarta-feira, 8 de junho de 2016
Pensando sobre adolescentes que se cortam
Olá,
Escrevo sobre este tema, por que há algum tempo vem chegado até mim relatos sobre esta "moda" dos adolescentes de se cortarem e isso vem me chamando a atenção por vários motivos.
O primeiro deles é pela identificação, pois eu mesma, na adolescência, gostava muito de uma banda específica, e sem conhecer esta "moda", usava um plastiquinho que vinha dentro do selo de segurança no CD da banda para marcar o nome da banda no meu antebraço, feliz da vida com este segredo que, na minha cabeça, me aproximava mais deles, marcando-os como uma tatuagem provisória em mim. Coisas de fã adolescente.
O segundo é por que uma das situações relatadas a mim, veio de uma profissional de uma instituição que abriga crianças em situação de acolhimento e falava sobre o cortar-se ser uma prática comum e difundida entre os adolescentes da casa através da internet como algo "bacana" de ser feito, com adolescentes postando tutoriais de como fazer, como esconder, etc.
Me preocupou por ser algo massificado pela internet e não pelo fato em si do cortar-se, já que nunca é algo feito para machucar, pelo que tenho entendido. O adolescente, pela fase que está passando na vida, é uma criatura das mais vulneráveis possíveis, por vários motivos: ele não é mais o bebê mais lindo da casa, seu corpo está em fase de enorme transformação e em muitos momentos isso se torna desproporcional, torto, estranho e dá muito medo, na visão deles.
Além disso, afloram neles os hormônios da sexualidade que está se desenvolvendo e essa sexualização vem acontecendo cada vez mais cedo por diversos motivos, o principal deles, por conta das mídias de massa, sejam as redes sociais, os programas de TV, o Youtube, os jogos de vídeo game, e assim, o adolescente tem acesso a conteúdos que ele não entende propriamente, mas que passa a fazer parte de seu universo simbólico e de fantasias, gerando muita ansiedade e mais medo.
O se cortar, por si só, não é o problema. O problema maior é o que isso vem simbolizar. É claro que nem todo o adolescente está passando pelo mesmo momento e que não vai se cortar pelo exato mesmo motivo. Todos estão em busca de uma identificação com algo que faça sentido para eles. Querem ser alguma coisa, querem se transformar em alguma coisa, têm muita energia e vontade de serem adultos para poderem ser "donos do próprio nariz" e ao mesmo tempo muito medo, por que sabe que ainda não tem as ferramentas ainda para isso.
O que está em jogo é a auto estima, a aceitação, o olhar do outro, o reconhecimento. Eles querem ser amados, mas não sabem como, nem por que, nem por quem. Querem se transformar em algo admirável, mas morrem de medo de passar vergonha, de serem julgados pelos amigos, pelo mundo de forma geral.
A cultura do chamado "bullying" que chama assim agora, mas sempre existiu como humilhação dos coleguinhas que eram excluídos de um grupo por nenhum motivo relevante, mas apenas porque alguém decidiu assim, vem do medo dessa vergonha que todos tem medo de passar e que alguns, com tanto ou mais medo que os outros, acabam por incutir nos outros como defesa, para não serem alvos da exclusão. Ou seja, quem pratica o bullying, tem na verdade muito medo de sofrer o bullying. O que gera esse processo todo é conhecer muito bem a necessidade de acolhimento e negá-la a alguém por um motivo qualquer.
O desejo de se cortar, pode vir de diversas origens emocionais diferentes, mas fala de algo muito simples, que é a necessidade de se sentir vivo. O limite corporal no adolescente é muito importante para ele. As emoções são fortes e intensas, as crises absurdas, chora-se muito e muito alto, dá-se gargalhadas altas e se briga sempre com volume e confusão. Há a necessidade absoluta de ser notado. Quando há algo que não parece funcionar na vida do adolescente (e sempre há), como não se sentir notado por aquela pessoa que se ama, não corresponder a expectativa de um grupo (de amigos, de familiares, de professores, ou qualquer outro), há uma sensação da mesma forma intensa de frustração.
Tudo, na cabeça deles, é questão de vida ou morte, há uma dramaticidade absurda que não há meios de eles entenderem as próprias emoções de outra forma, por conta da injeção hormonal e da alta expectativa que eles tem sobre começar a vida social, afetiva e emocional.
O cortar-se pode ser uma forma de gerar um alívio a todas essas dores internas incontroláveis, passando para um foco em uma dor externa e sobre a qual ele tem total controle. Pode também ser esta maneira, de, diante da sensação de apatia nas relações físicas que ele não está apto a ter ainda, sentir seu corpo, seu limite corporal, ver seu limite e sentir-se vivo. Também é possível ser por conta da necessidade de chamar a atenção das pessoas, adultos ou pares adolescentes para si, como um pedido de socorro.
O principal não é punir o ato em si. Não há como se aproximar de alguém desta maneira, apenas através da punição. O principal é compreender que há, na vida emocional daquela pessoa, algo que está errado. O melhor que se pode fazer é conversar, não sobre o cortar-se em si, mas sobre como a pessoa está se sentindo, abrindo diálogo para isso na relação com ele.
É muito comum encararmos as crianças e os adolescentes como "café com leite" nas discussões importantes da vida familiar, escolar, ou de qualquer grupo, sem incluí-los nas informações sérias e importantes e sem conversar com seriedade, ouvindo e levando em consideração o que sentem e pensam sobre algum assunto.
O cortar-se pode ser uma forma de eles dizerem aos adultos que estão sentido, que estão pensando, que estão sim sendo afetados por alguma coisa. Mesmo que uma situação seja grave, como uma separação, uma violência, uma agressão, ou mesmo uma morte na família, se não é tratado com o adolescente ou a criança com algum tipo de verdade, isso pode sim gerar sintomas como este ou como outros (anorexia, bulimia, depressão, ansiedade).
É preciso abrir o canal de comunicação com eles, do contrário, vão sugar a informação sem compreendê-la e isso pode gerar muita angústia e sintomas na vida cotidiana deles, trazendo prejuízos na formação de identidade deles e na vida emocional que vão entender que é possível.
Ouça, fale, abra o diálogo sobre as coisas com seus filhos, sobrinhos, alunos, com as crianças e adolescentes de sua vida. Isso fará uma grande diferença na relação deles com si mesmos, com vocês e com a própria vida, trazendo segurança e tranquilidade para que eles decidam quem querem ser.
Boa sorte e um abraço!
Carol
Escrevo sobre este tema, por que há algum tempo vem chegado até mim relatos sobre esta "moda" dos adolescentes de se cortarem e isso vem me chamando a atenção por vários motivos.
O primeiro deles é pela identificação, pois eu mesma, na adolescência, gostava muito de uma banda específica, e sem conhecer esta "moda", usava um plastiquinho que vinha dentro do selo de segurança no CD da banda para marcar o nome da banda no meu antebraço, feliz da vida com este segredo que, na minha cabeça, me aproximava mais deles, marcando-os como uma tatuagem provisória em mim. Coisas de fã adolescente.
O segundo é por que uma das situações relatadas a mim, veio de uma profissional de uma instituição que abriga crianças em situação de acolhimento e falava sobre o cortar-se ser uma prática comum e difundida entre os adolescentes da casa através da internet como algo "bacana" de ser feito, com adolescentes postando tutoriais de como fazer, como esconder, etc.
Me preocupou por ser algo massificado pela internet e não pelo fato em si do cortar-se, já que nunca é algo feito para machucar, pelo que tenho entendido. O adolescente, pela fase que está passando na vida, é uma criatura das mais vulneráveis possíveis, por vários motivos: ele não é mais o bebê mais lindo da casa, seu corpo está em fase de enorme transformação e em muitos momentos isso se torna desproporcional, torto, estranho e dá muito medo, na visão deles.
Além disso, afloram neles os hormônios da sexualidade que está se desenvolvendo e essa sexualização vem acontecendo cada vez mais cedo por diversos motivos, o principal deles, por conta das mídias de massa, sejam as redes sociais, os programas de TV, o Youtube, os jogos de vídeo game, e assim, o adolescente tem acesso a conteúdos que ele não entende propriamente, mas que passa a fazer parte de seu universo simbólico e de fantasias, gerando muita ansiedade e mais medo.
O se cortar, por si só, não é o problema. O problema maior é o que isso vem simbolizar. É claro que nem todo o adolescente está passando pelo mesmo momento e que não vai se cortar pelo exato mesmo motivo. Todos estão em busca de uma identificação com algo que faça sentido para eles. Querem ser alguma coisa, querem se transformar em alguma coisa, têm muita energia e vontade de serem adultos para poderem ser "donos do próprio nariz" e ao mesmo tempo muito medo, por que sabe que ainda não tem as ferramentas ainda para isso.
O que está em jogo é a auto estima, a aceitação, o olhar do outro, o reconhecimento. Eles querem ser amados, mas não sabem como, nem por que, nem por quem. Querem se transformar em algo admirável, mas morrem de medo de passar vergonha, de serem julgados pelos amigos, pelo mundo de forma geral.
A cultura do chamado "bullying" que chama assim agora, mas sempre existiu como humilhação dos coleguinhas que eram excluídos de um grupo por nenhum motivo relevante, mas apenas porque alguém decidiu assim, vem do medo dessa vergonha que todos tem medo de passar e que alguns, com tanto ou mais medo que os outros, acabam por incutir nos outros como defesa, para não serem alvos da exclusão. Ou seja, quem pratica o bullying, tem na verdade muito medo de sofrer o bullying. O que gera esse processo todo é conhecer muito bem a necessidade de acolhimento e negá-la a alguém por um motivo qualquer.
O desejo de se cortar, pode vir de diversas origens emocionais diferentes, mas fala de algo muito simples, que é a necessidade de se sentir vivo. O limite corporal no adolescente é muito importante para ele. As emoções são fortes e intensas, as crises absurdas, chora-se muito e muito alto, dá-se gargalhadas altas e se briga sempre com volume e confusão. Há a necessidade absoluta de ser notado. Quando há algo que não parece funcionar na vida do adolescente (e sempre há), como não se sentir notado por aquela pessoa que se ama, não corresponder a expectativa de um grupo (de amigos, de familiares, de professores, ou qualquer outro), há uma sensação da mesma forma intensa de frustração.
Tudo, na cabeça deles, é questão de vida ou morte, há uma dramaticidade absurda que não há meios de eles entenderem as próprias emoções de outra forma, por conta da injeção hormonal e da alta expectativa que eles tem sobre começar a vida social, afetiva e emocional.
O cortar-se pode ser uma forma de gerar um alívio a todas essas dores internas incontroláveis, passando para um foco em uma dor externa e sobre a qual ele tem total controle. Pode também ser esta maneira, de, diante da sensação de apatia nas relações físicas que ele não está apto a ter ainda, sentir seu corpo, seu limite corporal, ver seu limite e sentir-se vivo. Também é possível ser por conta da necessidade de chamar a atenção das pessoas, adultos ou pares adolescentes para si, como um pedido de socorro.
O principal não é punir o ato em si. Não há como se aproximar de alguém desta maneira, apenas através da punição. O principal é compreender que há, na vida emocional daquela pessoa, algo que está errado. O melhor que se pode fazer é conversar, não sobre o cortar-se em si, mas sobre como a pessoa está se sentindo, abrindo diálogo para isso na relação com ele.
É muito comum encararmos as crianças e os adolescentes como "café com leite" nas discussões importantes da vida familiar, escolar, ou de qualquer grupo, sem incluí-los nas informações sérias e importantes e sem conversar com seriedade, ouvindo e levando em consideração o que sentem e pensam sobre algum assunto.
O cortar-se pode ser uma forma de eles dizerem aos adultos que estão sentido, que estão pensando, que estão sim sendo afetados por alguma coisa. Mesmo que uma situação seja grave, como uma separação, uma violência, uma agressão, ou mesmo uma morte na família, se não é tratado com o adolescente ou a criança com algum tipo de verdade, isso pode sim gerar sintomas como este ou como outros (anorexia, bulimia, depressão, ansiedade).
É preciso abrir o canal de comunicação com eles, do contrário, vão sugar a informação sem compreendê-la e isso pode gerar muita angústia e sintomas na vida cotidiana deles, trazendo prejuízos na formação de identidade deles e na vida emocional que vão entender que é possível.
Ouça, fale, abra o diálogo sobre as coisas com seus filhos, sobrinhos, alunos, com as crianças e adolescentes de sua vida. Isso fará uma grande diferença na relação deles com si mesmos, com vocês e com a própria vida, trazendo segurança e tranquilidade para que eles decidam quem querem ser.
Boa sorte e um abraço!
Carol
terça-feira, 20 de outubro de 2015
Crianças no Controle: Mudanças na estrutura familiar e a crise na autoridade dos pais
Olá,
Transcrevo a seguir uma matéria minha que saiu na Revista "Grandes Temas de Conhecimento: Psicologia" Número 19, publicada pela Mythos Editora, em Maio de 2015.
ALGO ACONTECEU NAS
RELAÇÕES ENTRE PAIS, ADULTOS EM GERAL, E AS CRIANÇAS, QUE DESAUTORIZA OS
ADULTOS DE DAREM “ORDENS” OU MESMO LIMITES AOS PEQUENOS, MÉDIOS E GRANDES
FILHOS.
Nesse artigo, vou destacar o papel da cultura e das mudanças sociais e
materiais como uma fonte de influência na mudança do lugar de autoridade dos
pais em relação às crianças e na presença de outras instâncias moderadoras da
relação entre os pais e os filhos que atravessam esse deslocamento de papéis.
Pretendemos,
também, traçar um campo para refletir as alterações subjetivas, não só em
relação aos filhos, mas em relação aos projetos pessoais dos sujeitos, que acabam
se refletindo no desejo de serem pais. O conceito de autoridade se define por: “1.
Direito ou poder de se fazer obedecer, de dar ordens, de tomar decisões, de
agir, etc. 2. Aquele que tem tal direito ou poder. 3. Os órgãos do poder
público. 4. Aquele que tem por encargo fazer respeitar as leis; representante
do poder público. 5. Domínio, jurisdição. 6. Influência, prestígio; crédito. 6.
Indivíduo de competência indiscutível, em determinado assunto”. Essa definição
do Dicionário Aurélio, nos ajuda a entender o que constitui o conceito
de autoridade, que vamos abordar no sentido de seu declínio.
A escola
passou a ser responsável por transmitir o que antes era adquirido por meio do
convívio familiar, como as “boas” maneiras, princípios morais e até educação
sexual.
Christopher Lasch, em seu livro A
cultura
do narcisismo, discute essas
questões
no contexto norte-americano. Vamos
utilizar
suas reflexões considerando que a
cultura
norte-americana acabou por influenciar
os
modos de produção e, consequentemente,
de
subjetivação no mundo ocidental. Lasch
pensa
na reprodução humana como na
reprodução
da força de trabalho. Tanto a
reprodução
em si, quanto os cuidados em relação
aos
jovens, sempre estiveram centrados no
seio
da família, porém o sistema de
socialização
da produção, ou seja, a produção em
massa,
também chamada “industrialização”,
acabou
se apropriando também desses aspectos
e das
funções socializadoras do lar que,
após a II
Revolução Industrial,
foram colocadas sob a
alçada do
Estado.
O que
anteriormente era adquirido por
meio do
convívio com os familiares, passou a
ser
recebido pela escola: “boas” maneiras, princípios
morais e
até educação sexual. Mudanças
sociais,
políticas e industriais fizeram com que
a escola
assumisse responsabilidades antes assumidas
pelo lar,
como o treinamento físico,
mental e
social. Na república social, a criança
é vista
como um futuro cidadão e, portanto, é
responsabilidade
do Estado, e não de seus pais.
Seu
bem-estar é de interesse do Estado, que
deve
evitar os danos que os pais possam causar
a seus filhos.
E aqui, o acesso do Estado a essas
crianças
se dá por meio da escola, que assume,
nessa
política, o papel de autoridade máxima
em
relação aos filhos. O Professor passa a ser
Educador.
Os
trabalhadores, pais dessas crianças,
são
postos de lado e obrigados a trabalhar
para o
Estado. O bem-estar de seus filhos é
“garantido”
por essas instituições substitutas
e não há
opção, pois o Estado coloca-se como
responsável
por eles, em nome de um desenvolvimento
saudável
para essas crianças, visando ao bem da sociedade,
como um
todo.
O
trabalho infantil foi proibido e a custódia
da
criança era dada à escola. O Estado via
nos lares
desfeitos uma fonte de jovens delinquentes
e
ameaçadores. A autoridade dos
pais
sobre seus filhos dependia, agora, do desejo
de esses
pais em cooperar e em obedecer
aos
tribunais de menores, caso contrário,
as
competências do sujeito, como pai, seriam
questionadas
e a convivência com sua prole
impedida.
O movimento
por melhorias do lar possui grandes
contradições,
pois, ao mesmo tempo em que instrui
os pais
no cuidado com os filhos, dá as costas a esses
pais e
toma essa função para si.
Os
reformistas concordavam que a família
promovia
uma mentalidade restrita e
desfavorável
ao desenvolvimento da criança,
levando-os
a supor que agentes externos
deveriam
substituí-la para o bem da criança.
Agentes,
inventados para assumir o papel dos
pais que
fossem considerados inadequados,
passaram
a educar e formar as crianças, sob
a tutela
do Estado.
Nesse
contexto, diz Lasch, surgiu também
a chamada
“educação de pais”, promovida
pelo
Estado por agentes especializados na
criação
de crianças, para gerar melhorias
na
qualidade do cuidado dado à criança na
família.
A escola assumiu um papel mais extenso
– o de
cultivar na criança a socialização
fora do
âmbito familiar.
O
movimento pela melhoria do lar
passou
por contradições enormes, pois, ao
mesmo
tempo em que buscava instruir os
pais nos
cuidados a serem dados aos filhos,
dava as
costas a esses mesmos pais, tomando
a frente
nessa função. Esse movimento, que
surgiu
como parte de um esforço mais amplo
de
civilizar as massas, atingiu o cerne da estrutura
familiar,
desautorizando maciçamente
os pais,
em sua relação com os filhos.
Segundo
Lasch, especialistas de diversos
campos
incidiam sobre a família e retiravam
as
crianças dos lares ditos “impróprios”,
impondo
substitutos às figuras parentais. Percebiam,
porém,
que apesar dessas ações, as
crianças
continuavam “fiéis” aos pais de origem.
Começou-se,
então, a pensar que aquelas
famílias,
consideradas desestruturadas e
ameaçadoras
para as crianças, ofereciam a
elas algo
que o lar adotivo não podia dar .
A ideia,
então, tornou-se “salvar” não
mais a
criança isoladamente, mas toda a família
“desestruturada”,
buscando, também, um
modo de
civilizar as massas. Os médicos passaram
a atacar
os métodos tradicionais de cuidado
com as
crianças. Tiravam aos poucos a
confiança
dos pais em relação à sua capacidade
de cuidar
de seus filhos e iam colocando-se
no meio
do caminho, com seus conhecimentos
técnicos
supostamente mais adequados.
Com o
advento das novas formas de
controle
de natalidade, os pais se liberaram
da carga
de criar filhos indesejados, mas, ao
mesmo
tempo, surgia-lhes uma espécie de
obrigação
de fazer com que os seus filhos se
sentissem
desejados o tempo inteiro.
Nos anos
1940, a ideia contrária à anteriormente
defendida
pelos especialistas aparece:
agora, os
pais deveriam voltar a confiar
em seus
instintos, no que diz respeito à
criação
dos filhos. Os especialistas se deram
conta de
que seus conselhos haviam minado
a
confiança dos pais e chegaram à conclusão
de que
não deveriam culpar exclusivamente
aos pais
pelas faltas de seus filhos.
Os pais
modernos confiam numa forma prescrita
pelos
especialistas para criar seus filhos como os
“vencedores”
que a sociedade exige.
No
discurso dos pais, aparecia a sensação
de ter
falhado em desempenhar o seu papel
como os
seus próprios pais haviam feito,
sem saber
o que poderiam ter feito diferente.
Esses
pais temiam repetir os erros de seus
pais e, por
isso, a opinião dos especialistas
virou
regra de conduta na criação. O antigo
modelo de
autoritarismo era abominado entre
os pais
modernos e a permissividade era
agora
mais comum.
A
desvalorização da paternidade, segundo
Lasch,
veio dessa transferência de funções
da
família para organizações especializadas.
As
habilidades técnicas, que o mundo
industrializado
exige dos profissionais, fazem
com que
os pais tenham muito pouco o que
levar do
cotidiano de seu trabalho para os filhos,
além do
amor. Essa situação promove
uma
separação, cada vez maior, entre o mundo
do adulto
e o da criança, e dificulta, cada
vez mais,
as identificações psicológicas fortes
dos
filhos com seus pais.
Os pais
modernos confiaram em um
jeito
prescrito pelos tais especialistas para
lidar com
seus filhos e têm um compromisso
com uma
ideia de parentalidade perfeita
– criar
os filhos “vencedores” que a sociedade
contemporânea
exige. O sentimento parental
não é
espontâneo, mas idealizado, e o cuidado
que os
pais têm para com esses filhos é
exagerado,
mecânico, sufocante e esvaziado
do
investimento libidinal genuíno.
A atenção
da mãe apoia-se tão fortemente
na visão
dos especialistas, que não
passa a
sensação de segurança aos filhos.
Ambos os
pais buscam, na família, um refúgio
ao mundo
externo, que julgam ameaçador. O
que eles
não percebem é que os padrões familiares
são
oriundos, e constantemente reforçados,
pelas
condições externas. Segundo
Lasch, o
declínio da autoridade parental reflete
o
declínio do superego na sociedade, ou
seja, uma
diminuição da função paterna, que
dá
limite, protege e breca os instintos nos filhos,
criando
uma geração sem autodomínio
e sem
freio, permissiva, que vive em função
dos
prazeres do consumo exagerado.
Voltamos
aqui a pensar que as mudanças
na
família levaram a uma mudança no
conteúdo
do superego, pois, com o fracasso
da
autoridade dos pais, o superego dos filhos
mantém-se
colado às imagens arcaicas dos
pais, ou
seja, esse superego permanece punitivo
e severo
sem flexibilização. Um clima
social de
permissividade com um superego
severo
como aquele da infância, resulta num
descontentamento
e em modos depressivos
de
subjetividade.
A
abdicação da autoridade parental
intensifica,
ao invés de diminuir, o medo de
punição
que a criança tem, porque suscita
pensamentos
de punição muito severos, daquela
fase
primitiva. As experiências com a
autoridade
externa complementam o treinamento
do
cidadão, mas o controle social não
promove
uma alteração no superego primitivo.
Coisa que
só acontece nas relações familiares,
onde o vínculo
é supostamente incondicional,
o que
significa que independe
de um
comportamento bom ou mal, mas que
é
atravessado por eles e pelas consequências
deles.
Vemos,
assim, que a evolução da sociedade
pós-Segunda
Revolução Industrial
reformulou
padrões de convívio familiar e
de
condutas parentais por meio da especialização
dos
cuidados com a criança e do afas-
tamento
dos pais da convivência com seus
filhos. A
ampliação da jornada de trabalho e
a
retirada da responsabilidade da família em
relação à
educação e à socialização primária
das
crianças tiveram um enorme efeito de
desvalorização
da autoridade parental que
abalou a
autoconfiança dos pais como cuidadores
efetivos
de sua prole.
“Este
movimento de dar o controle às crianças, porém não é sem retorno, muito pelo
contrário, já tem sido alterado e questionado pelas famílias e pela nova
geração de profissionais que auxiliam e trabalham em parceria com estas
famílias.”
Esse
movimento de dar o controle às
crianças,
porém, não é sem retorno, muito
pelo
contrário, já tem sido alterado e questionado
pelas
famílias e pela nova geração de
profissionais
que auxiliam e trabalham em
parceria
com essas famílias. Os novos pais
procuram
mudar a natureza de suas relações,
colocar-se
novamente como aqueles que sabem
o que
deve ou não acontecer na conduta
de seus
filhos e nas relações com eles, ainda
que com
muito custo e com dúvidas e algumas
vezes
questionando-se de estar fazendo
a melhor
coisa, o que é comum que aconteça
depois de
tanto tempo de questionamento sobre
sua
própria condição em tomar as rédeas
da
educação moral de seus filhos.
É
imprescindível que os pais possam
reaver
seus direitos parentais e terem dessa
maneira a
possibilidade de se relacionar de
forma
mais saudável com seus filhos, sem
modo de lhes
dar o limite, limite este que é
fundamental
e fundante para gerar crianças
e
adolescentes que possam vir a se tornar
adultos
seguros, confiantes e felizes, por
terem nos
pais e responsáveis esse espelho
de
segurança, de alguém que não lhes deixe
de colocar
em risco, que lhes promova o
acolhimento
e também a cobrança, a briga e
a bronca
quando estiverem ultrapassando e
testando
esses limites. Só assim as crianças
terão a
confiança no adulto que cuida dela,
que ela
sabe, que, com falhas e problemas,
sempre
fará o possível para mantê-la segura
e dentro
de um sistema de valores consistente,
seja ele
baseado no que for, mas que faça
sentido
para aquele núcleo familiar, ou, pelo
menos,
para aquela parceria mãe/filho(a) ou
pai/filho(a).
*
Carolina Torres é psicóloga clínica e professora em
Educação
Infantil, graduada em Psicologia pela Pontifícia
Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP),
em
2005, com especialização em:
Teoria
Psicanalítica pela Coordenadoria Geral de Especialização,
Aperfeiçoamento
e Extensão Universitária
(COGEAE)
da mesma instituição, em 2009;
Pedagogia
pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP),
em 2013;
Ética,
Valores e Cidadania pela Universidade de São
Paulo
(USP), em 2014
Um abraço,
Carol
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