Olá,
Neste texto apresento um trecho de uma monografia de conclusão do curso de especialização em "Teoria Psicanalítica". Nele trato da discussão sobre as novas configurações familiares que vem sendo cada vez mais aceitas e vividas pelas famílias na atualidade e como elas se dão e que impacto têm na vida das crianças e adultos que pertencem a elas.
Neste texto apresento um trecho de uma monografia de conclusão do curso de especialização em "Teoria Psicanalítica". Nele trato da discussão sobre as novas configurações familiares que vem sendo cada vez mais aceitas e vividas pelas famílias na atualidade e como elas se dão e que impacto têm na vida das crianças e adultos que pertencem a elas.
Para adquirir o texto completo, acesse o link: http://existepsicologiaemsp.simplesite.com/425473795/product/1937933/e-book-filhos-que-mandam-em-seus-pais-o-decl%C3%ADnio?catid=644585.
A noção de família pode ser entendida como “1. Pessoas aparentadas, que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos. 2. Pessoas do mesmo sangue. 3. Ascendência, linhagem, estirpe. (...) 9. Comunidade constituída por um homem e uma mulher, unidos por laço matrimonial, e pelos filhos nascidos dessa união. 10. Unidade espiritual constituída pelas gerações descendentes de um mesmo tronco, e fundada, pois, na consangüinidade. 11. Grupo formado por indivíduos que são ou se consideram de um mesmo tronco ancestral comum e estranhos admitidos por adoção. (...)” (Ferreira, 1988). Vemos que no dicionário Aurélio, a noção de família mais tradicional ainda é a referência mais forte. Vamos, a partir de outras leituras, dialogar com as novas configurações e com sua relação com a questão da autoridade.
Para começar a pensar a questão da função paterna e seu
declínio na família, faremos um levantamento inicial de como se deram as
diversas formas de organização familiar ao longo da história. Para isso, utilizaremos
a pesquisa feita por Elizabeth Roudinesco em seu livro “A família em desordem”,
de 2003.
No prefácio de seu livro, Roudinesco coloca que as
minorias, antes perseguidas, sempre ficaram à margem de uma organização
familiar tradicional, mas que atualmente estas minorias (como os homossexuais,
por exemplo) querem se adequar aos modelos tradicionais de família burguesa. A
autora coloca que este fato pode ser um sinal de que está havendo uma
decadência da autoridade sob todas as formas, já que a antiga ordem de colocar a
minoria à parte já não funciona hoje em dia.
A autora coloca que a família ocidental foi
desafiada pela irrupção do feminino e passou a dar papel central à maternidade.
O lugar do pai foi questionado e ele se vê agora sem função simbólica: o pai
não é mais pai e a existência da família está ameaçada.
Roudinesco descreve três grandes fases pelas quais a família
passou. Em primeiro lugar houve a família “tradicional” que serviu
especialmente para assegurar a transmissão de patrimônio: nela o casamento era
arranjado entre os pais sem levar em conta a vida afetiva ou sexual do casal e
a ordem era imposta pela autoridade patriarcal.
A segunda fase, dita “moderna”, surge entre os séculos
XVIII e meados do XX. Ela se fundou no amor romântico e nela o casamento era
baseado na reciprocidade dos sentimentos, ainda que a divisão de trabalho entre
os cônjuges fosse um fator importante neste momento.
Finalmente, na família dita “contemporânea” ou
“pós-moderna”, que surgiu após 1960, o casamento surge da busca dos indivíduos
por relações íntimas ou por realização sexual. Nesta fase a relação de autoridade
parental se torna mais problemática por conta dos divórcios e recomposições
conjugais que vão surgindo, de acordo com esta busca dos indivíduos por realização
afetiva pessoal.
Na época moderna, a família deixou de ter um paradigma divino ou Estatal, apesar de ainda manter-se como a instituição humana mais sólida da sociedade. Sucedeu-se àquela família autoritária, a família mutilada de hoje, em que o pai, que antes dominava, perdeu sua posição.
O pai dos tempos arcaicos era a encarnação de Deus, reinava
sobre as famílias e castigava os filhos, podendo decidir-se a se desfazer de um
filho, se deixasse de reconhecê-lo, na lei romana. O cristianismo impôs outra
lógica, a da paternidade biológica, que deveria corresponder a uma função
simbólica. Neste período, o direito de paternidade não decorria mais da vontade
de um homem, mas da vontade de Deus, ou da igreja.
O pai só poderia ser pai, na medida em que a mulher lhe
fosse totalmente fiel. Ele só é o procriador pela transmissão da sua nomeação (do
sobrenome), do seu sangue ou da sua raça. Através da doação de seu nome e pela
visibilidade de uma semelhança com o seu filho é que o pai da Idade Média se
tornava corpo imortal, pois seu nome e seus traços seriam carregados por seus
descendentes, que perpetuariam sua imagem.
Esta nova necessidade de a mulher designar o pai para que
este seja reconhecido com tal, possibilitou a irrupção do feminino, que segundo
Roudinesco, surge como uma ameaça à autoridade paterna, anteriormente exercida.
Agora cabe à mãe decidir, através do casamento, se o pai poderá exercer a
função de autoridade em relação aos filhos, que, por sua vez, só se relacionarão
com seus pais enquanto necessitarem se preservar e se criar. Ao cabo deste
período, rompem-se os laços com os pais.
Após a abolição da monarquia, o pai passa a dividir com a
mãe a herança psíquica e carnal. Não é mais o soberano e os filhos são vistos
como “mais da mãe” do que do pai. A autoridade paterna entra em conflito com o
poder dado às mães.
Na era do desenvolvimento industrial o posto de “deus, soberano ou patriarca”, anteriormente ocupado pelo pai, passa a ser o mesmo que o do patrão, que defende o operário da barbárie e lhe garante trabalho e habitação.
Neste sentido, a autoridade paterna vai desmoronando, e o
pai passa a ser mais um no núcleo familiar, sem poder inquestionável e sem
poder mandar em seus filhos, a não ser que a mãe lhe permita exercer este
papel. Ainda que a mãe o permita exercê-lo, o pai está desvalorizado, em
relação ao seu antigo papel, e se sente desta maneira. Divide com a mãe a
tarefa de cuidar dos filhos e de prover os bens materiais do lar.
A ordem familiar econômico-burguesa que surge aí se
baseia em três níveis de hierarquia: a autoridade do marido, a subordinação das
mulheres e a dependência dos filhos. O feminino, que deveria se colar à
maternidade, se desvincula dela. O antigo papel do pai dominador dá lugar a uma
paternidade ética, subjugada aqui, a uma avaliação do estado. O pai não pode
abusar do poder a ele outorgado, ou a paternidade lhe será retirada.
A família ganha status de matriz de uma nova sociedade. O
pai é reinvestido de poder, mas o exercício deste poder deve estar de acordo
com a declaração de direitos do homem e do cidadão. O casamento se transformou em
um contrato livremente consentido entre um homem e uma mulher que durará apenas
enquanto durar o amor. O pai tem obrigações morais com aqueles a quem governa e
será privado do direito de pai, se não as cumprir.
Numa reflexão mais voltada à família tradicional
brasileira, Maria Rita Kehl em seu artigo “Em defesa de uma família tentacular”
nos lembra que a no Brasil, esse modelo de família foi herança de uma sociedade
escravocrata e nossas primeiras famílias eram comandadas pelo senhor de terras.
O modelo seguinte foram as famílias urbanas que queriam se “afrancesar”, se
fechando sobre si mesmas para não se deixar contagiar por camadas inferiores. (Kehl,
2003).
A família nuclear burguesa no Brasil era isolada e a
privacidade de seus membros vigiada. Só se abriam a um público selecionado e
“do mesmo nível” para submeter, especialmente as mulheres, à avaliação de
pretendentes. Mas também passou a ruir em sua própria estrutura com o advento
da expansão dos meios de comunicação que explodiu até o isolamento das famílias
mais conservadoras. A família então, deixa de ser uma sólida instituição e
passa a ser um agrupamento circunstancial e precário regido pela lei dos afetos
e dos impulsos sexuais.
Roudinesco apresenta também a idéia da irrupção do
feminino, como marco dessa grande mudança. A mulher que tem um sexo e que pode
se emancipar independentemente de sua relação de mãe ou de esposa. Após a
revolução feminista, com seu direito ao voto e com a possibilidade de igualdade
nos diversos campos, a mulher elimina o “trono” patriarcal.
As grandes guerras trouxeram, para as mulheres, a necessidade de tomada decisões, na ausência dos homens, o que contribuiu para a irrupção do poder das mesmas. O advento das novas tecnologias médicas, desde os métodos anticoncepcionais - como a camisinha, o DIU e a pílula - até os novos métodos de concepção, possibilitaram às mulheres conceber um filho - decidir e planejar a concepção - de acordo com o seu desejo. A possibilidade de controlar o próprio corpo e conceber através da inseminação artificial e das mais diversas formas de planejamento familiar desvinculou maternidade e casamento, liberando a mulher da submissão ao marido e aos filhos.
A partir dessa virada, os laços conjugais já não escondem mais a base erótica – portanto, instável – de sua sustentação. Separações novas uniões ao longo da vida dos adultos gerou um novo tipo de família, que Kehl vai chamar “tentacular”. Segundo ela, o núcleo central da família foi implodindo atravessado pelo contato intimo com adultos e crianças vindos de outras famílias. Cada uma dessas árvores hiper ramificadas guarda o traçado das moções de desejo dos adultos ao longo da vida.
Novas possibilidades surgem e geram essas diferentes configurações familiares. Os casais passaram a se formar considerando apenas o laço afetivo, sem terem, necessariamente, a meta da procriação. Outros tipos de relação familiar, que antes estavam à margem, como as uniões homoafetivas e famílias monoparentais, reivindicam cada vez mais um lugar de pertencimento e de equivalência à família burguesa padrão.
Desta maneira, tanto os homens - maridos ou pais
solteiros - quanto as mulheres - esposas ou mães solteiras - estão mudando sua
relação com o planejamento da família e com a própria idéia de família. Eles têm
desejos conflituosos em relação aos filhos. Temem ter que abrir mão de seus
sonhos para cuidar deles, como as gerações anteriores fizeram. Precisam
inventar uma forma própria de conciliar os cuidados com os filhos com outras
exigências sociais – trabalhar, produzir, obter sucesso profissional e realizar-se
sexualmente. Estes pais ficam muito tempo fora de casa e delegam a educação dos
filhos a figuras de autoridade substitutivas: babás, professoras, etc.
O momento de encontrar os filhos é o momento em que os
filhos podem tudo, pois estes pais, desinvestidos do lugar de autoridade,
querem compensar a si mesmos e aos filhos pela falta de tempo que têm para
ficar com eles e pela culpa que sentem por conta disso. Trabalham muito e não querem
assumir o lugar de castrar ou colocar limites.
Há um declínio da autoridade que é marcado tanto pelos re-arranjos
da estrutura familiar e social em relação ao ser pai, versus ser um pai de
família, e ao ser mãe, versus ser uma mãe de família. Outras exigências se
colocam aos homens e às mulheres, que podem agora decidir se vão ou não ter um
filho, independentemente do matrimônio. Casar-se e ter filhos são dois
acontecimentos bem separados e não são mais, como costumavam ser, os alicerces
do projeto de vida da maioria das pessoas.
Segundo
Paulo Ceccarelli, “(...)nascer da união de um homem com uma mulher não basta
para ser filho, ou filha, daquele homem e daquela mulher. Ou ainda: colocar uma
criança no mundo não transforma os genitores em pais. O nascimento (fato
físico) tem que ser transformado em filiação (fato social e político), para
que, inserida em uma organização simbólica (fato psíquico), a criança se
constitua como sujeito. Estes três fatos - físico, social e psíquico - guardam
cada vez menos relações de dependência entre eles.” (Ceccarelli, 2007). Os papéis
estão descolados da nascimento biológico da criança e precisam ser definidos de
acordo com o desejo desses homens e mulheres de se tornarem psiquicamente pais
a partir dessa decisão.
“A família tentacular contemporânea traz em seu desenho
irregular as marcas de sonhos frustrados, projetos abandonados e retomados,
esperanças de felicidade das quais os filhos, se tiverem sorte, continuam a ser
portadores. (...) Ideal que não deixará de orientar, desde o lugar das
fantasias inconscientes, os projetos de felicidade conjugal das crianças e
adolescentes de hoje, Ideal que, se não for superado, pode funcionar como
impedimento à legitimação da experiência viva dessas famílias misturadas,
engraçadas, esquisitas, improvisadas e mantidas com afeto, esperança e desilusão,
na medida do possível.” (Kehl, 2003).
Um abraço,
Carol
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Se estiver buscando psicoterapia, me escreva diretamente no email: torres.carolina@gmail.com.