quarta-feira, 1 de julho de 2015

Creolina, o sistema manicomial e a vida mental humana


Olá, 

Hoje, voltando para casa, percebi uma sensação muito desagradável ao sentir um cheiro familiar no meio do caminho. Era creolina. A memória que o odor me trouxe foram longínquas e datam da época de minha formação em psicologia. 

Na graduação fazemos obrigatoriamente estágios na área da psicopatologia e psiquiatria e na época em que me formei, alguns deles eram em ambulatórios ou hospitais psiquiátricos (os antigos manicômios) que eram muito mais comuns e amplos na época (2001) do que o são agora, após uma agenda longa e contínua de luta contra o sintema manicomial de encarceramento de casos graves da psiquiatria.

O odor da criolina me levou de volta a ambientes que frequentei por conta da formação e que me colocaram diante de pessoas absolutamente abandonadas através do rótulo da loucura. Abandonadas de si mesmas, completamente despersonalizadas e misturadas com a instituição de acolhimento em que se encontravam, com roupas que não eram delas e sem dúvida, sem distinção do próprio eu, muito provavelmente com uma ajuda maior do processo de institucionalização do que da própria patologia específica que tinha ganhado como diagnóstico.

Ouvi histórias estranhas sobre delírios e alucinações, mas também percebi vínculos ambivalentes e contraditórios entre médicos, enfermeiros, pacientes, guardas, faxineiras e seguranças. Vi pessoas que vinham de longe buscar a cidade grande e que já na rodoviária se perderam em si mesmos por não entenderem a loucura de concreto, diante de sua realidade anterior, que era aquela do interior do país. Vi idosos que nunca foram adultos e que se mantiveram crianças para sempre. Vi a falta de limite entre o íntimo e o social. Soube de pacientes que ainda na época eram submetidos a eletrochoques para melhorarem de seus sintomas. Perdi um paciente que simplesmente tropeçou e caiu no meio do pátio de sua residência terapêutica. 

Sem dúvida estes estágios nos trouxeram um reconhecimento maior sobre os limites entre a sanidade e a loucura, entre o funcional e o disfuncional, entre o de acordo com as regras sociais e o que foge delas. Mais do que isso, acho que pudemos sentir na pele, atrás das grades, junto com eles, qual é a consequência da loucura "exposta" na nossa sociedade que não suporta a falta de sentido e de racionalização das coisas.

Desde então, mesmo sem trabalhar diretamente com a loucura em si, acho que consigo entender melhor a desrazão, os limites de comportamento que as pessoas podem chegar, a desconexão que a mente é capaz de fazer em relação ao funcionamento cotidiano e funcional, seja como uma defesa a um trauma muito intenso (físico ou emocional), seja por abuso do uso de droga, seja por quaisquer outras razões.

E eu passei a conhecer e a respeitar mais a nossa fragilidade mental. E respeitando esta fragilidade, passei lidar com as questões de qualquer ser humano, de qualquer idade, vindo de qualquer condição e contexto social ou biológico possível, com delicadeza e acolhimento. 

Ninguém sabe a verdade do outro. E só por isso, é preciso escutar primeiro. Antes de dizer ou oferecer qualquer coisa a ele. E principalmente, antes de criar um julgamento.

Um abraço,
Carol

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