segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O que a teoria feminista tem a ver com a psicoterapia?



Olá, 

Faz bastante tempo que não escrevo aqui. Tenho estudado um pouco sobre temas que irei tratar em um Simpósio no mês que vem e que andam me trazendo muita reflexão e questionamentos sobre a prática clínica, mas também sobre as relações sociais. 

O tema da fala será "O que a teoria feminista tem a ver com a psicoterapia?", e me foi sugerido pelo organizador do Simpósio, em que uma colega, professora universitária, foi chamada a falar e não poderá comparecer, me indicando em seu lugar.

O fato é que eu nunca havia parado para pensar sobre esta relação e aceitei o desafio, sem imaginar como é vasta a gama de ideias e relações possíveis entre os temas.

A princípio retomei minha própria visão de mundo e conhecimento sobre a teoria feminista, que nunca pensei ser tão ampla e diversa, versando de vários pontos de vistas diferentes e com a única perspectiva comum de que todas as vertentes buscam equidade de direitos entre todos os seres humanos e não apenas para as mulheres. Incrível como apesar de unificar a categoria "mulheres", alguns dos movimentos conseguem perceber dentro disso a diversidade entre elas e questionar até mesmo o conceito de "mulher", dado a princípio como algo óbvio, mas que pode ser questionado como um papel criado culturalmente para um ser humano cuja parte biológica o designa como fêmea, mas cujo papel social tem construções que não tem nada a ver com esta biologia, e sim com o que é esperado de um papel "feminino" através da cultura.

Em minhas pesquisas ando passando por estas questões de gênero, identidade e sexualidade, mas principalmente pela questão crucial que perpassa as relações humanas e onde o âmago do Feminismo me parece estar, que são as relações de poder.

Neste espaço é que consigo perceber onde entraria uma correlação possível com a psicoterapia, pois nela há um lugar em que o terapeuta é colocado como autoridade, doado de um suposto saber sobre o sofrimento do paciente, que pode influenciar a relação terapêutica reforçando um lugar de desigualdade, que é o avesso do que trata a visão feminista.

Gostaria de reforçar que apesar de muitas pessoas terem aversão ao tema feminismo, seja por visões equivocadas sobre a teoria, seja por experiências negativas com o tema, como alguns confundem ao pensar que estas mulheres se pretendem ser "contra" os homens, na realidade, a luta só existe para melhorar as relações entre as pessoas como um todo, trazendo igualdade  a elas, sem supor lugares de mais ou menos poder a partir de motivos aleatórios como o sexo biológico ou o gênero de uma pessoas, que em nada influenciam na capacidade de alguém exercer um papel ou outro na vida social. 

Estas visões de papéis específicos surgem através de convenções morais antiquadas e machistas que colocam o homem num lugar privilegiado sem qualquer justificativa plausível, da mesma maneira como costumam ser colocados os privilégios de forma geral, através de raça, classe social, instrução, poder aquisitivo, entre outros.

É compreensível que pareça difícil às pessoas acostumadas a naturalizar os papéis tradicionais de homem e mulher como diferentes, pelo hábito de fazê-lo, e pelo lugar de privilégio confortável em que se encontram e de onde não querem sair. Porém, a teoria e a militância feministas conseguem enxergar razões suficientes para que isso seja justificável como necessário para o avanço das relações sociais e para o desenvolvimento da humanidade, num sentido de igualdade e respeito entre todas as pessoas.

Na militância pelos direitos da mulher, encontra-se como ponto central a luta contra a violência contra a mulher, seja de forma física ou psicológica, que se dá em larga escala no Brasil e em todo o mundo, como pudemos testemunhar em casos mais difundidos aqui no Brasil no primeiro semestre e na Argentina há poucos dias atrás, gerando comoção, passeatas e até greves entre as mulheres. Os casos de violência somam-se diariamente e são absurdos, brutais e injustificáveis, a não ser pelo viés do poder do homem sobre a mulher, que não existe.

Tratar dentro do consultório de uma forma adequada à esta realidade, com uma visão crítica e real sobre o tema, é não apenas uma forma de legitimar o que acontece na realidade dos pacientes, dando-lhes a chance de pensar e refletir sobre essa naturalização de relações perversas de forma crítica e não apenas reproduzindo o discurso social arraigado neles, ou tentando adaptar-se e tratando o sofrimento que sai disso. 

Abordar em psicoterapia desta forma é uma atuação política e que se pretende transformadora da sociedade, dando ferramentas aos pacientes homens e mulheres no sentido de pensarem sobre o mundo de que fazem parte e tendo a capacidade de agir e transformá-lo, não sendo apenas vítimas de um modo de viver dado ao qual eles não consegue se adaptar (ainda bem!).

Descobri através das pesquisas que já existem correntes feministas de trabalho em psicoterapia e que buscam justamente esse olhar crítico e uma relação igualitária em que o paciente é o considerado a pessoa mais bem posicionada para saber sobre seu sofrimento e sua dor, legitimando seu ponto de vista de forma a dar a ele autonomia para se perceber e não gerando uma dependência dele ao nosso ponto de vista.

Sem querer, sem saber e sem rotular, a prática que faço ia de acordo com diversos dos princípios que foram destacados em alguns textos que encontrei sobre a abordagem da psicoterapia feminista. E fiquei muito contente em poder aprofundar e repensar de forma mais consciente e até gerando uma rede de autoras a quem posso recorrer para compreender e trocar experiências!

Vou continuar me preparando para a fala e na expectativa de trocar ainda mais com os colegas no dia do Simpósio!

Se souberem de mais material ou grupos que debatem sobre o assunto, comentem aqui! Vou adorar poder conhecer mais visões sobre essa relação que há pouco me parecia tão improvável!

Um abraço e obrigada!

Carol