domingo, 13 de setembro de 2015

Garota, interrompida

Olá, 

Nesta semana, no consultório, a desistência de uma paciente me fez lembrar que não é possível ajudar sempre, mesmo que tenhamos ferramentas para isso. Nem sempre o paciente vai conseguir na relação com o terapeuta ter recursos diferentes do que tem nas outras relações no mundo, e aí, mesmo na tentativa de trabalhar esta questão, a construção da relação terapêutica também pode falhar, como as outras relações na vida.

É muito frustrante para um terapeuta conseguir reconhecer os caminhos a percorrer num caso, mas não ter a permissão do paciente para ajudá-lo. Mas nesta profissão isso acontece e não é raro uma pessoa desistir do processo, de si mesma, ou apenas interromper por motivos diversos um tratamento. 

Em condições ideais, combinamos um desligamento gradual que vai dando tempo e espaço para que a pessoa vá se desligando aos poucos do processo e do vínculo, sem gerar maiores desgastes emocionais, criando essa independência devagar. Quando o vínculo se quebra de forma mais abrupta, isso pode gerar sofrimento para ambos os lados.

Não podemos emprestar nosso desejo de cura aos pacientes a não ser que eles desejem isso por si mesmos. Por mais que tenhamos uma visão clara e até otimista de alguns casos e de sua possível evolução, o paciente só irá se engajar na própria causa se seu desejo for esse, se houver um incomodo com seus "sintomas" e se ele "abraçar" e se comprometer com isso. 

Também é muito importante podermos reconhecer esse esforço e dizer ao paciente que seu engajamento faz diferença no processo, assim como a vontade de mudar. Reconhecer a necessidade de mudança e fazer uma reflexão séria e profunda sobre seus temas recorrentes, sejam medos ou dificuldades, é muito importante, mas é doloroso e pode acabar sendo evitado ao longo do processo, gerando um atraso e uma sensação de perda de tempo, por não haver melhora significativa ou observável. 

As fantasias que fazemos sobre nos mesmos e sobre diversos temas da vida nos atrapalham muito e podem ser tão cruéis a ponto de nos atrapalhar inclusive no momento de engajamento com o processo terapêutico, o que é uma pena. 

Nesse caso, não há muito o que o terapeuta possa fazer a não ser torcer para que o paciente encontre novamente o desejo de mudança e que consiga, com outro terapeuta ou através de outras vias, seguir até um ponto mais adiante em seu processo.

Esse é o meu desejo sincero sempre que um processo é interrompido.


Um abraço,
Carol

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Amizades, laços e confusões

Olá, 

Estou aqui pensando no laço que travamos com um amigo, com uma pessoa que pode nos dar algumas dicas e talvez até luzes no fim do túnel quando não conseguimos vê-las sozinhos. 

Uma amizade é um laço que não tem definição correta, mas que existe a despeito de laços de sangue, de trabalho, de escola e que pode permanecer e superar todas essas fases. 

Um amigo é alguém com quem se pode trocar e que pode oferecer o que tem e receber o que temos a oferecer, mas sem a necessidade de cobranças e da constância que outros laços exigem, como na maioria dos casamentos, namoros, na relação familiar e nas relações de trabalho ou de estudo, por exemplo.

Um amigo não tem lugar definido na rotina, na vida cotidiana. Ele aparece quando pode e o chamamos quando ele nos faz falta. Ás vezes é possível estar ausente por meses, anos, décadas e retomar um contato com o mesmo entusiasmo que havia no início de uma amizade, mas que por contingências da vida, teve que ser interrompida. 

Um amigo é alguém que participa de alguma forma de partes de nossa vida, mesmo que seja a distância. Pode ser por conta um assunto em comum, de uma experiência vivida que se combina, por valores parecidos, gostos ou pode não ser com nada disso, mas haver uma empatia incrível e inexplicável, mas que é forte o bastante para manter um laço de carinho, de admiração e de respeito e troca mútuas. 

Um amigo é alguém com quem a gente pode falar besteiras, coisas sérias, comemorar alegrias, mas que não precisamos agradar ou corresponder a expectativas. É um laço que deve ser leve e livre, mas que pode fazer diferença em momentos difíceis, como nas grandes crises que passamos na vida, seja ela qual for. 

É importante ter algumas pessoas que nos conheçam e que torçam por nós e vice versa. Que a gente admire e que também admire a gente. É importante também poder ouvir críticas e preocupações destas pessoas que não querem que sejamos nada deles além de amigos, mas que conhecem partes de nosso caminho e querem nos lembrar de coisas que esquecemos ou que não nos atentamos sobre nós mesmos. 

Um olhar de fora é sempre importante. Pode ser equivocado e também enviesado, mas se for de alguém que gostamos, vale a pena ouvir. Pode ser dando uma bronca ou querendo que façamos o que ele pensa ser o melhor, mas deve ser filtrado e ouvido como algo que veio de alguém que tem carinho, mesmo que não concordemos.

É comum confundirmos alguns destes laços e colocar pessoas que são apenas amigos no lugar de irmãos, pais ou mães. Quando isso acontece, é importante tentar ter algum distanciamento para lembrar que eles não são estas pessoas e que não devemos nada a eles, além da amizade de volta. 

Algumas amizades se quebram pelo caminho e é importante tentar entender porque, pois às vezes as mudanças que as pessoas sofrem ao longo do tempo fazem com que as conexões mais óbvias que temos com elas se diluam, pois podemos mudar e mudamos o nosso pensamento, alguns valores e prioridades ao longo da vida, afastando o que nos unia a uma pessoa ou a grupo de amigos. 

Não é preciso sofrer muito quando isto acontece, apenas aceitar e seguir em frente, carregando o que de bom esta amizade trouxe, os ensinamentos para que você possa fazer novas amizades adiante. 

Estar aberto a ouvir o outro é a base mais importante para uma amizade real, de troca. Se preocupar com o que o outro pensa, sente, está passando. Também, sentir abertura para que quando você disser o que  sente, pensa e está passando, isto seja recebido com alguma empatia, podendo trazer algum conforto. Isto é o que se espera do lado de cá e de lá. 

Manter por perto pessoas com quem é possível se sentir bem, atualizar os seus fantasmas e fantasias sobre si mesmo com leveza e seriedade ou até em conversas divertidas e engraçadas sobre as dificuldades e conflitos da vida, pode amenizar e muito o sofrimento em relação a um evento traumático e avassalador.

Vale a pena cultivar pessoas com quem se possa fazer isso. Eu recomendo!


Um abraço,
Carol