quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Timidez, insegurança e vulnerabilidade



Olá, 

Nesta semana venho pensando muito na questão da timidez e na dificuldade que algumas pessoas tem de se relacionar e que acaba tornam-as isoladas e solitárias, gerando muito sofrimento e até, em alguns casos, traços depressivos.

A timidez é um traço complexo da personalidade de uma pessoa. Todos nós temos momentos de timidez, vergonha, ou embaraço diante de uma situação em que nos sentimos inseguros ou despreparados para enfrentar. 

Acontece com mais frequência com pessoas mais sensíveis a opinião dos outros sobre elas. Há uma fantasia sobre si mesmo de ser insuficiente, desinteressante, de não ter o que dizer ao outro que possa interessá-lo que afasta as pessoas dos vínculos sociais. 

Essa fantasia surge de uma posição de colocar sempre as outras pessoas acima de si mesmo, imaginando que todos são mais bem resolvidos, seguros, interessantes e que não terão motivos para querer conversar com a pessoa que se sente tão pouco. 

Há duas crenças básicas que limitam as pessoas a se abrirem para se relacionar: a de achar que poderão ser criticados ou depreciados pelo outro (publicamente ou não) e a de sentir que se abrir algo de seu universo pessoal ao outro isso as tornará vulneráveis e frágeis e que deste modo certamente sofrerão.

O medo de sofrer críticas ou rejeições as paralisa completamente. Pois bem, não há de maneira nenhuma, uma forma de prever a reação do outro ao que iremos dizer. Mas, se não nos relacionarmos, nunca saberemos se o outro nos valorizará ou não.

Sem nos colocar perdemos a possibilidade de fazer laços e de trocar com o outro, percebendo assim que ele também tem seus medos, inseguranças, momentos de timidez e que se coloca vulnerável em nossa frente apenas no limite em que ele aguenta. 

Não é possível a uma pessoa com traços de timidez se abrir completamente, confiar e se jogar numa relação expondo toda a sua fragilidade ao outro num primeiro momento. Mas existem etapas possíveis de se chegar ao outro, sem se machucar tanto, se protegendo.

Por exemplo, para alguém que não consegue nem ao menos trocar olhares cordiais com colegas de trabalho, de escola ou mesmo no ambiente familiar ou entre amigos, o exercício de trocar olhares ou mesmo de cumprimentar o outro já abre a possibilidade de o outro vir conversar. A principio podemos apenas ouvir, atentamente, dando sinais de interesse, sem precisar colocar a opinião ou falar sobre algo pessoal. É possível iniciar o contato através de trocas de assuntos amenos que podem ir amaciando uma possibilidade menos intensa de troca para pelo menos ir amenizando a sensação de isolamento total, que gera muito sofrimento.

É claro que em casos muito intensos de isolamento isso é difícil e a iniciativa deve vir junto com com um trabalho de valorização de si mesmo para que estas crenças limitantes que fazem a pessoa se sentir tão mal sejam trabalhadas e revertidas em possibilidade de reconhecimento das próprias qualidades e características positivas, sem tanta auto-crítica e auto-depreciação. É esta auto crítica ferrenha que vai ser projetada no outro que se torna tão ameaçador que é impossível de encarar.

Quando gostamos um pouco mais do que somos e reconhecemos estas coisas que temos para trocar, também podemos olhar com mais clareza para o outro e com menos medo, pois ele é nada pior e nem melhor do que nós mesmos, é apenas outro. E ele também não está tão preocupado assim com o que somos, pois está na mesma caminhada de tentar viver bem com o que ele é, se é que ele sabe exatamente o que é, pois estamos todos um pouco perdidos, tentando descobrir isso e, portanto, menos preocupados em espezinhar onde o outro está em seu próprio caminho do que parece para quem está de fora.

Vale lembrar que é justamente a vulnerabilidade compartilhada que possibilita laços verdadeiros e satisfatórios, pois só assim é que podemos nos conectar de verdade com as pessoas. E esta conexão quando é real e recíproca traz muita satisfação, talvez a maior satisfação que exista, na minha opinião!

Olhe ao redor, sem medo, e você verá exatamente isso. Gente tentando se encontrar e não aplicada em te ajudar a se perder, como parece nitidamente para alguns de nós.

Vamos tentar?

Um abraço,
Carol

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Sexualidade, abuso e respeito



Olá, 

Hoje eu quero falar sobre a sexualidade. Não sobre gênero, nem sobre machismo ou feminismo, mas sobre o corpo e suas marcas. 

Todos nós temos um corpo, sejamos homens ou mulheres, e nos relacionamos com o mundo através dele. Muitas são as marcas que podem afetar o corpo gerando uma relação boa ou ruim com o ele e com o corpo do outro. A sexualidade é o fruto destas marcas, destas experiências boas ou ruins e refletem diretamente na vida sexual de um adulto. 

No consultório é comum chegarem histórias de abuso sexual infantil ou mesmo de adultos. Um abuso pode ser real, através de uma invasão ao corpo do outro quando este nem entende o próprio corpo, quando é o caso de uma criança, ou quando não há o consentimento no caso de um adulto, mas ele também pode ser verbal, quando há uma insistente fala pejorativa sobre um aspecto do corpo de alguém, como em relação ao peso ou outro aspecto físico, por exemplo. 

Em todos os casos, a consequência é sempre muito grave para quem sofre, podendo ser fonte de sofrimento inesgotável, gerando depressão, isolamento, ideias ou atos suicidas, ou ainda, pode gerar um adulto ou crianças que também abusem de outras crianças ou adultos, alimentando o ciclo do abuso.

Não há muito o que se possa elaborar numa terapia quando uma criança sofre abuso e ela se sente culpada por isso pelo resto da vida. Mesmo sendo a vítima e não reproduzindo o comportamento depois. Elaborar os fatos vividos pode ser sentido como reviver as cenas que trazem vergonha, tristeza e sentimentos muito profundos e por isso a busca por tratamento acaba sendo evitada em muitos casos. 

De qualquer maneira, quando há a busca pelo tratamento, é possível sim haver uma reelaboração das experiências que pode trazer alívio e melhoras consideráveis na desorganização que uma experiência como esta pode causar.

O corpo de uma criança ou de um adolescente está em pleno descobrimento. O que devemos fazer em relação a isso é permitir que a criança conheça a si mesma, que explore seu próprio corpo e até o de amigos da mesma idade, mas orientando-os para que não haja uma relação de poder envolvida. Ninguém deve mandar em ninguém neste tipo de descoberta, ou seja, quem dá o limite do que pode ou não pode fazer é o dono do próprio corpo.

O nosso corpo é a nossa casa. Ele é sagrado e deve ser respeitado desde a mais tenra infância e depois seguir assim para sempre. O limite só quem pode colocar somos nós mesmos e a criança precisa aprender isso, pois não sabe lidar com seu corpo e mal o entende. Não há nenhuma outra regra a não ser o limite da igualdade. Não há igualdade alguma numa relação entre uma adulto e uma criança, por isso também não pode haver a sexualidade aí. 

Na experimentação entre duas crianças, assim como tudo que acontece com os pequenos, deve haver a supervisão de um adulto. Porém, como a sexualidade é um tema muito difícil para nós adultos, pois esbarra nas muitas marcas, tabus ou questões morais confusas e com nossos próprios conceitos de certo e errado, acabamos por deixar tudo meio confuso para os pequenos também. 

Não há receita em relação ao que fazer, pois depende da forma como cada adulto consegue lidar com a própria sexualidade, mas é importante sempre refletir e conversar com a criança de mente leve e aberta, pois eles não interpretam o mundo da mesma forma que nós, não tem as nossas marcas e nem as experiências boas ou ruins que tivemos. Cabe a nós permitir-lhes experimentar de forma segura e orientada, sem atropelar seu ritmo, nem dar informações demais antes de ouvir suas questões. 

Já em relação aos adultos, cujas marcas já estão aí estabelecidas e traçadas, cabe se questionar de onde elas vieram, se podem ser elaboradas novamente, se elas não estão pesadas demais e se ainda fazem sentido na vida sexual adulta. 

Não é possível eliminar uma marca despertada pela própria história corporal de cada um de nós. Mas é possível se manter aberto a perceber o próprio corpo e o corpo do outro com quem se relaciona de novas formas, sempre respeitando os mesmos limites dos pequenos: o da igualdade, do famoso "quando um não quer, dois não fazem", que apesar de ser um dito popular, nem sempre é o que acontece nas relações, mas é o que se deveria respeitar neste e em todos os aspectos de uma relação a dois. 

O respeito é a base. Sempre. E mesmo que o consentimento não seja verbal, o limite é simples. Basta ter a sensibilidade de não fazer com o outro o que você não gostaria que fizessem com você. 

Combinado?




quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Sobre pacotes, relações e suas transformações


Olá, 

Hoje vim falar sobre as relações entre as pessoas. Todos estamos nos relacionando o tempo inteiro: desde que nascemos pessoas cuidam de nós, pessoas nos formam, pessoas nos contratam, pessoas nos amam, amigos, familiares, colegas de trabalho, clientes, chefes, desconhecidos passam a ter espaço na nossa vida diária.

Muitas destas relações são na realidade pautadas por poucas relações, que são as nossas relações basais dentro de nossa família. Normalmente nossos pais, mães e irmãos, às vezes tios, avós, primos, colegas, madrastas ou padrastos, etc. São poucas pessoas que estão desde o começo ou quase isso, formatando conosco a ideia de uma relação, de nosso valor diante dele, de nosso potencial, e acreditamos profundamente que ali está não apenas o nosso espelho mais fiel, como também o nosso modelo de ser humano e nossa possibilidade de futuro, afinal somos fruto daqueles seres humanos que vieram antes de nós.

O que muitas vezes nos atrapalha é a impossibilidade de transformar depois de adultos estes padrões de relacionamento que nem sempre é o melhor para nós. É claro que admiramos coisas nestas pessoas que nos criaram e que nos apoiam incondicionalmente e o amor por elas é quase inabalável quando elas estiveram ou estão presentes. 

Este amor profundo e muitas vezes gratidão que sentimos não pode, por outro lado, nos impedir de perceber padrões de relacionamento que nos atrapalham, como uma posição infantilizada em relação a uma figura materna ou paterna que depois da vida adulta não faz mais sentido, dado que ambos agora são adultos, por exemplo.

É preciso atualizar os padrões para uma forma mais equilibrada, para que ambos possam ganhar cada vez mais com esta relação. Uma figura materna ou paterna vai dar conselhos e supor que a geração deles teve as respostas mais corretas a um problema. Mas a nossa geração que vem aí conhece ferramentas novas e um mundo novo que pode ser traduzido de outras formas. 

É preciso atualizar os vínculos e relembrar que a possibilidade de aprendizado não se encerra dos mais velhos aos mais novos e sim que pode se dar em qualquer direção e de formas muito inesperadas e nada tradicionais.

E é preciso estar atento e forte para perceber o que nos faz bem e o que nos faz mal em cada relação viciada e repetitiva com um ente querido, atualizando estas obrigações e relativizando o peso que recebemos deles e que NÃO É NOSSO!!

Minha dica é devolver a eles todos os "pacotes" que eles nos entregam com suas expectativas para o que querem que sejamos, do que esperam de nós, seus medos que projetam na gente e tudo o mais que não é de fato nosso, mas que pensamos ser, por conta dessa intensa relação intergeracional que se pretende cópia do pai e da mãe, ou pior, arremedo da frustração deles. Não somos isso. Somos seres únicos, com influências genéticas, biológicas, afetivas, de valores, mas que nós interpretamos e sentimos no nosso contexto único de história que faz parte da deles, mas que NÃO É a deles.

Vamos devolver a responsabilidade a cada um deles, pois carregar pacotes que não são nossos é a pior coisa que podemos fazer. Pesa, atrapalha e impede que façamos as nossas escolhas do que queremos ser, viver, aprender, com quem nos relacionar e como nos desenvolver para o nosso potencial maior e melhor.

Vamos tentar analisar o que é nosso e o que não é? E devolver a eles o que é deles? Sem raiva ou ressentimento, apenas com a honestidade de perceber o que é seu e o que é do outro?

Não é fácil, eu sei! Mas certamente fará a sua caminhada a diante extremamente mais leve! E até suas relações com estas pessoas mais ricas e com trocas reais possíveis!

Boa sorte na tentativa!

Um abraço, 
Carol



quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Sentidos, limitações e intolerância

Olá, 

Hoje, conversando com um leitor do blog, percebi que tenho falado bastante sobre a necessidade do respeito às diferenças, mas não sobre o que eu penso sobre a origem destas diferenças. 

Como já comentei em outros textos, considero que cada pessoa possui a sua própria verdade e que isso se justifica por conta de uma realidade simples e objetiva que é a nossa condição real e biológica de experimentação do mundo. 

Cada um de nós só consegue experienciar o mundo através dos nossos próprios sentidos. Olhamos, ouvimos, sentimos, pensamos e refletimos sempre a partir de nossa própria experiência e só dela.

Moramos dentro da nossa cabeça e do nosso corpo, somos marcados pelas nossas experiências físicas, intelectuais e emocionais ao longo do tempo e através dessas marcas é que existimos. Somos frutos dessas marcas, produtos de uma série de desventuras e só conseguimos observar as coisas, as pessoas e o mundo através delas. 

O contato com o outro é marcado pelo que somos. Observamos o outro através dessa única lente possível que é a nossa experiência no mundo. E não existe outra verdade que não a verdade de cada um, porém, o risco de aceitarmos a nossa verdade completamente é a de anular a credibilidade na verdade do outro. Isso é a fonte da intolerância. 

Não suportamos nem pensar que a lente do outro seja diferente da nossa. Não suportamos supor que a nossa verdade seja parcial e não totalizante, por que isso gera angústia, dúvida e voltamos a pairar no universo da ignorância de não saber tudo sobre coisa alguma, nem sequer sobre nós mesmos.

Para deixar de lado essa angústia que beira o insuportável supomos coisas, inferimos coisas, categorizamos pessoas, comportamentos, formas de ser e viver, ignorando a prerrogativa máxima da vida que é a diversidade total e absoluta de possibilidades de interpretação dos sentidos possíveis dela.

Quando falamos sobre tolerância, falamos em nome de um grupo ou outro já classificado: "os negros", "as mulheres", "os homossexuais" ao invés de pensar nessa diversidade absoluta e individual em cada história, interpretação ou nas marcas.

Proponho aqui uma tentativa de retirar, nem que seja por um minuto, a nossa lente viciada em nossa verdade, para observar com abertura a verdade do outro. Essa tarefa gera vulnerabilidade e medo, mas possibilita a verdadeira conexão com o outro, ampliando de maneira impensável a nossa compreensão do mundo a cada vez que fazemos isso.

Nos colocamos no lugar do outro, tentamos compreender a sua interpretação do mundo, respeitamos a sua verdade e seguimos em frente mais ricos e cheios de experiências de vida, de conhecimento, de crescimento pessoal e coletivo.

Vamos tentar?


Um abraço, 
Carol