quinta-feira, 30 de julho de 2015

Medo, preconceito e liberdade

Olá, 

Vamos fazer um exercício: imagine um mundo de seres azuis que gostam de fazer quadrados e que acreditam que as folhas das árvores descrevem a verdade da vida.

Agora, imagine você que apareçam algumas pessoas verdes, outras azuis, mas que gostem de fazer círculos e outras, que acreditam que as flores é que descrevem a verdade da vida. 

Os seres azuis não iriam entender absolutamente o que aquelas pessoas verdes eram e teriam medo delas, afastando-as de si. 

Não iriam gostar nada de ver pessoas que gostassem de fazer círculos, ao invés dos quadrados tão conhecidos por eles.

Muito menos de seres que acreditassem que as flores e não as folhas, tão absolutas na visão deles, trouxessem a verdade da vida.

Os seres azuis iriam temer, brigar e sugerir aos que fossem diferentes deles que deixassem de ser, a força, se necessário.

Ao invés de tentar compreender a possibilidade de ser, gostar ou acreditar em algo diferente, impulsionariam o verdinhos, amantes de círculos ou crentes em flores a serem outras coisas que não eles mesmos, e que se desculpassem o tempo todo por serem diferentes, fazendo com que os azuis, quadrados e fieis às folhas ficassem tão confusos e desconfortáveis diante de sua presença ameaçadora e diversa.

E isso estaria errado. Estaria no mundo dos seres verdes e azuis, tanto quando está no nosso mundo.

Ser diferente é a pior coisas que pode acontecer a uma pessoa. Seja aparentemente, no próprio corpo, seja no lado de dentro, nas práticas ou nas crenças. Não somos livres quando somos diferentes, porque incomodamos ao outro que se pretende igual. E não queremos incomodar.

A questão é a seguinte: ninguém é igual, mesmo que se pareça muito com o outro. Todo mundo é diferente. Mas odeia pensar que é, por ter medo de incomodar. Por medo de não fazer parte, de ser hostilizado, por pertencer a uma categoria ameaçadora à dita "maioria" e assim, ser excluído do contexto hegemônico.

Pois eu desejo ao mundo seres multicoloridos, com gostos cada vez mais variados e com crenças infinitas no que quiserem.

Desejo que estas pessoas tenham cada vez mais voz e que possam dizer tudo aquilo que pensam, sentem, acreditam e que desfilem com suas diferenças nas ruas diariamente para que todos possamos ver a diversidade de experiências que forma a humanidade, rica e fascinante como ela é!

Desejo que nenhuma voz seja calada, que nenhuma expressão seja tolida e que todos possamos ser quem somos, sem medo de atrapalhar. Sem medo de incomodar, sem medo de existir. 

Desejo a todos que saiam de suas tocas e incomodem, sempre que sentirem a necessidade de serem a si mesmos. 

Sejamos!

Um abraço,
Carol

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Plataforma TED, ideais e empatia


Olá,  

esta semana, uma amiga querida me mandou alguns de seus vídeos preferidos da plataforma ted.com, que disponibiliza palestras sobre diversos temas. Assisti algumas delas e fiquei encantada com a capacidade que algumas pessoas tem de ver as coisas de forma diferente através de uma experiência pessoal marcante que dá o gatilho para estas reflexões. 

Algumas das falas mais populares que o site indica como "imperdíveis" trazem uma experiência de transgressão ou mudança na forma como lidamos com a aprendizagem, com o trabalho, com a postura na vida adulta e até com a perspectiva da morte. Coisas pelas quais todos nós passamos e que gostaríamos de passar da melhor forma possível. 

A questão é como vemos o que é a melhor forma possível atualmente, ou seja, o que é o sucesso. Sucesso é ser feliz 100% do tempo, ter sempre a palavra final em uma discussão e nunca ter nenhuma dúvida ou frustração nas relações pessoais, no trabalho ou na vida social? 

Não!!! 

Mas é essa a mensagem que passamos em muitas das práticas que temos na vida social, na mídia, nas produções para tv e cinema, mesmo em alguns livros e estudos, em debates intolerantes (online e na vida real) relacionados a religião, valores ou posicionamento político, na medicalização massiva de todo o tipo de alteração de humor (seja ele fonte de sofrimento real ou não).

Nestes videos, ouvi pessoas que descobriram coisas simples, mas dando dicas pontuais e interessantes. Descobriram que a base para uma vida com mais felicidade e saúde é uma busca simples de reconhecermos em nós mesmos a capacidade de amar e sermos amados, porém, sem precisar fazer algo artificialmente para atingir isso. Sendo nós mesmos. 

Isso, que parece tarefa muito fácil e até redundante, dentro de uma lógica social que cria estereótipos de sucesso, de beleza, com modelos e ideais a serem seguidos, vai ficando difícil. Queremos seguir o modelo de sucesso já dado e buscá-lo artificialmente através de cirurgias plásticas, roupas e equipamentos ao invés de tentarmos compreender e nos aproximar de quem realmente somos para sermos felizes do nosso jeito e não do jeito que nos foi vendido.

O problema é que estes modelos não são possíveis de serem seguidos, já que a única forma de sermos felizes é encontrarmos dentro de nós mesmos o que nos encanta, o que nos faz sentido, algo nos ajude a interpretar a vida de forma menos angustiante, de preferencia em relações com as outras pessoas. 

Das dicas básicas que elas dão, algumas são simples e muito práticas de se seguir, tais como: não deixar o corpo parado por muito tempo, se movimentar regularmente, tirar o foco da cabeça pois ela não é a única parte do seu corpo, usar atitudes corporais de auto confiança, mais abertas ao mundo ao invés de se retrair ou se fechar o tempo todo, para que o cérebro possa ir sendo convencido pelo próprio corpo a se sentir de fato mais seguro.

Outras dicas, um pouco mais complicadas por se darem na relação com o outro são: se relacionar mais com as pessoas de quem gostamos, mantendo uma rede de afeto por perto, contextualizar as histórias que ouvimos do outro sem julgar através de conceitos pré-concebidos o que eles tem a dizer, amar sem ter certeza de que vai ser amado de volta, se sentir digno de ser amado e grato pelo que acontece de bom com você, mas também pelo que que o deixa frustrado, pois através dessa experiência, mesmo tristes, poderemos aprender algo sobre nós mesmos e sobre o outro. 

Nada disso é simples. Nada disso é fácil de fazer, pois em geral nos sentimos pequenos, inseguros e com pouco a contribuir. Temos medo de sofrer e de sermos rejeitados. A lição que elas tentam passar é de que é justamente a insegurança que temos, essa vulnerabilidade, que nos permitirá nos entregar às coisas que poderão trazer a satisfação e a felicidade de nos conectar com alguma coisa ou alguém de verdade. E é essa conexão real com os outros (concordemos com eles ou não) que nos dá sentido. 

Por conta disso é que sinto que o essencial em todas essas dicas é ter empatia. Se colocar no lugar do outro, se interessar genuinamente por ele até para podermos conhecer melhor a nós mesmos, seja pela identificação, seja pela antítese disso. É possível se conectar com todas as pessoas e respeitá-las, mesmo discordando de seu ponto de vista, contanto que o outro possa fazer o mesmo por nós. 

Pratiquem!

Um abraço,
Carol

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Trabalho, estudo, procrastinação e ansiedade


Olá, 

sou professora de educação infantil e lido com a necessidade de entregar não trabalhos ou provas, mas relatórios individuais das crianças e como todas as pessoas do mundo tenho o problema com os prazos de entrega deles.

Semestralmente tenho que entregá-los e via de regra não consigo fazê-los até chegar bem perto do prazo final. A isso as pessoas dão o nome de procrastinação, o fato de adiarmos aquilo que tem que ser feito pelo medo de que a tarefa seja muito difícil e por acabar se distraindo com outras coisas mais prazerosas que não seriam tão urgentes no momento.

Todas as pessoas passam por isso. Estudantes e profissionais de todas as áreas. 

A melhor forma de lidar com isso é intercalar períodos de foco absoluto, de produtividade, com períodos de relaxamento, de distração controlada. Quando eu digo controlada é um período de distração programado após ou como recompensa por um período de produtividade. 

O que gera a procrastinação é uma ansiedade de que o produto final a ser entregue seja muito difícil ou que não daremos conta dele. Na verdade, o importante, como em todo o processo que gera ansiedade, é focar no presente e não no futuro. 

O produto final não está pronto, portanto temos preguiça de fazê-lo deeesde o início e de chegar atééé o final. Porém, se pensarmos no processo passo a passo, será mais simples. 

Por exemplo, para começar um relatório, eu preciso: 

1 organizar as anotações sobre as crianças em um arquivo de word, e 

2 a partir delas desenvolver as minhas observações e análises sobre elas. 

Para isso eu preciso abrir um arquivo no word e começar a escrever as anotações. O relatório não está pronto quando faço isso, mas já está mais encaminhado do que antes de eu fazer. 

O trabalho de produzir algo é sempre satisfatório e, uma vez que se entra no fluxo de produtividade, a fonte de prazer maior virá da própria produtividade e não da distração que te tirava do foco dela. 

Mesmo assim, é importante se lembrar de não ficar mergulhada no foco, mesmo quando está na produtividade alta, pois não descansar a cabeça e o corpo no meio do processo, pode levar a exaustão. É preciso sim comer, dormir, beber água, levantar e dar uma voltinha, se alongar, até para que o período de produtividade possa durar. 

Tente se organizar no passo a passo em suas atividades de estudo ou de trabalho e ter um período de estudos ou um semestre de trabalho mais suave, com tempo de lazer merecido e não como fonte de angústia por estar adiando suas obrigações! 

E lembre-se, seu trabalho ou seu estudo é algo que você deve encarar como algo que você é capaz de fazer. Mesmo que sinta que é difícil, procure fazê-lo da melhor forma possível para você. O seu melhor é o melhor que você pode oferecer. Então ofereça e você sem dúvida se sentirá bem por tê-lo feito do seu jeito.

Um abraço,
Carol

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Ouro, escravidão e a lei da maioridade penal



Olá, 

passei a última semana em férias entre o Museu a céu aberto de Inhotim e as cidades históricas de Minas Gerais, Ouro Preto, Mariana, Lavras Novas e Santuário do Caraça.

Neste passeio, além muita arte contemporânea e a natureza deslumbrante dos morros de Minas, entrei em contato com uma parte basal da história de nosso país que foi a descoberta do ouro. O foco nestes passeios é a arquitetura preservada, prédios, ruas, praças, igrejas, mobiliário, obras religiosas e artísticas, oratórios, moedas e papel moeda de toda a história da economia nacional. 

De tudo isso, o que mais me impressionou foi no próprio Museu da "Casa dos Contos", no andar de baixo, um acervo particular chamado de Senzala. Na casa, que foi moradia, fundição de moedas e também prisão para inconfidentes ilustres, mantem em sua estrutura a antiga senzala com objetos de acervo pessoal com itens que nos remetem a escravidão.

O ambiente era realmente uma senzala e nas vitrines estão expostas bolas de ferro para os pés, grilhões que fechavam mãos e pés juntos, postes de madeira com espaços para prender as mãos, chicotes, cadeados para serem usados no pescoço, além de jornais da época reclamando escravos "fujões" e oferecendo recompensas a quem os encontrasse ou anunciando um leilão de 70 escravos "examinados pelo médico da casa". Nos andares de cima moedas, artefatos de fundição do ouro que era encontrado e que precisava ter um quinto enviado à Coroa e que gerou a insatisfação e a Inconfidência. 

Hoje, em impostos, doamos muitíssimo mais do que um quinto ao Governo com a promessa de ter tudo revertido em direitos garantidos a população e que não é. Hoje esquecemos que foram estes homens tirados de seu país a força, misturados a povos que não gostavam, presos, açoitados e coisificados, os responsáveis por erguer as construções e a trabalhar gerando insumos. Nos museus temos quadros com os nobres ilustres e suas esposas e toda a linhagem familiar que os antecedeu e não sabemos o nome ou o rosto e nenhum escravo.

Também esquecemos que ainda hoje são seus descendentes que fazem o trabalho pesado, numa lógica semelhante a anterior e ainda sem grandes direitos garantidos, enquanto outros garantem o seus "direitos" através do acesso ao Capital gerado pelo que eles produzem. Eles? Ou seremos nós? Pensando nisso, não é estranho que ainda haja revolta e muita violência relacionada aos bens de consumo e ao dinheiro em si no Brasil inteiro. 

Estranho para mim é tentarmos solucionar esta longa e tortuosa história por uma lei que coloca adolescentes na prisão como forma de apaziguar uma violência que no sistema carcerário só aumenta, entrando na velha lógica de afastar o que incomoda ao invés de realmente dialogar com esta realidade e com as necessidades básicas da população que continuam tão distantes de serem atendidas. 

Um abraço,
Carol

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Pensando sobre "Divertida Mente"


Olá, 

hoje, instigada por diversos comentários de colegas psicólogos e por meus pequenos alunos, decidi assistir à animação "Divertida Mente".

Como muitos colegas comentaram, parece uma interessante forma de tentar ilustrar alguns dos mecanismos de funcionamento psíquico e emocional para as crianças, entre eles a necessidade de se viver a tristeza, sem ignorá-la ou abafá-la como se tem feito na sociedade atual através do amplo consumo de medicamentos psicotrópicos.

Demonstrar a tristeza não precisa ser sinônimo de fraqueza, mas a garotinha, que é incentivada por sua mãe e por sua própria mente a se manter alegre o tempo inteiro, acaba sucumbindo até que o sistema complexo que a envolve possa perceber a necessidade que ela tem de demonstrar sua dor e compartilhá-la com sua família.

Fora isso, se por um lado alguns clichês comuns sobre a imagem feminina são quebrados, como o interesse dela por brincadeiras mais corporais e pelo esporte, por outro lado, os pais são colocados de forma superficial e estereotipada: o pai com o foco central no futebol e a mãe numa fantasia romântica quase infantil.

O filme, independente de quaisquer detalhes questionáveis, se coloca para nós educadores, psicógolos e pais, como uma oportunidade de conversar com as crianças através de personagens que passarão a povoar seu imaginário, sobre seus sentimentos. Essa oportunidade é muito interessante e não se deve deixar passar!


Um abraço,
Carol

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Creolina, o sistema manicomial e a vida mental humana


Olá, 

Hoje, voltando para casa, percebi uma sensação muito desagradável ao sentir um cheiro familiar no meio do caminho. Era creolina. A memória que o odor me trouxe foram longínquas e datam da época de minha formação em psicologia. 

Na graduação fazemos obrigatoriamente estágios na área da psicopatologia e psiquiatria e na época em que me formei, alguns deles eram em ambulatórios ou hospitais psiquiátricos (os antigos manicômios) que eram muito mais comuns e amplos na época (2001) do que o são agora, após uma agenda longa e contínua de luta contra o sintema manicomial de encarceramento de casos graves da psiquiatria.

O odor da criolina me levou de volta a ambientes que frequentei por conta da formação e que me colocaram diante de pessoas absolutamente abandonadas através do rótulo da loucura. Abandonadas de si mesmas, completamente despersonalizadas e misturadas com a instituição de acolhimento em que se encontravam, com roupas que não eram delas e sem dúvida, sem distinção do próprio eu, muito provavelmente com uma ajuda maior do processo de institucionalização do que da própria patologia específica que tinha ganhado como diagnóstico.

Ouvi histórias estranhas sobre delírios e alucinações, mas também percebi vínculos ambivalentes e contraditórios entre médicos, enfermeiros, pacientes, guardas, faxineiras e seguranças. Vi pessoas que vinham de longe buscar a cidade grande e que já na rodoviária se perderam em si mesmos por não entenderem a loucura de concreto, diante de sua realidade anterior, que era aquela do interior do país. Vi idosos que nunca foram adultos e que se mantiveram crianças para sempre. Vi a falta de limite entre o íntimo e o social. Soube de pacientes que ainda na época eram submetidos a eletrochoques para melhorarem de seus sintomas. Perdi um paciente que simplesmente tropeçou e caiu no meio do pátio de sua residência terapêutica. 

Sem dúvida estes estágios nos trouxeram um reconhecimento maior sobre os limites entre a sanidade e a loucura, entre o funcional e o disfuncional, entre o de acordo com as regras sociais e o que foge delas. Mais do que isso, acho que pudemos sentir na pele, atrás das grades, junto com eles, qual é a consequência da loucura "exposta" na nossa sociedade que não suporta a falta de sentido e de racionalização das coisas.

Desde então, mesmo sem trabalhar diretamente com a loucura em si, acho que consigo entender melhor a desrazão, os limites de comportamento que as pessoas podem chegar, a desconexão que a mente é capaz de fazer em relação ao funcionamento cotidiano e funcional, seja como uma defesa a um trauma muito intenso (físico ou emocional), seja por abuso do uso de droga, seja por quaisquer outras razões.

E eu passei a conhecer e a respeitar mais a nossa fragilidade mental. E respeitando esta fragilidade, passei lidar com as questões de qualquer ser humano, de qualquer idade, vindo de qualquer condição e contexto social ou biológico possível, com delicadeza e acolhimento. 

Ninguém sabe a verdade do outro. E só por isso, é preciso escutar primeiro. Antes de dizer ou oferecer qualquer coisa a ele. E principalmente, antes de criar um julgamento.

Um abraço,
Carol